Futuro procurador-geral da República investigou 200 casos de corrupção
Actual presidente da primeira secção do Supremo Tribunal de Justiça, Pinto Monteiro não vai enfrentar pela primeira vez os desafios da investigação criminal: na década de 80 foi alto-comissário adjunto da Alta Autoridade contra a Corrupção, então dirigida por Costa Brás, onde instruiu mais de 200 processos depois enviados para os tribunais.
A decisão de propor o juiz Fernando Pinto Monteiro foi tomada depois de vários contactos estabelecidos entre o primeiro-ministro e o Presidente da República, que há já algum tempo mantinham conversações sobre esta questão. "Houve um processo de amadurecimento em torno do perfil do novo procurador-geral da República. O assunto foi trabalhado entre os dois [primeiro-ministro e Presidente]", salientou o assessor de imprensa de Cavaco Silva, Fernando Lima.
Pinto Monteiro foi uma escolha de José Sócrates e aquela que simultaneamente reunia condições para merecer o apoio do PSD, ainda que outros nomes tenham sido colocados como hipótese pelos sociais-democratas, como o de Henrique Gaspar. E cumpre na íntegra o perfil desejado pelo Presidente da República e pelo PSD: um magistrado conceituado no meio forense e que desse garantias de independência partidária, evitando a politização do cargo.
No Governo, a questão foi tratada sobretudo entre José Sócrates e o ministro da Justiça, Alberto Costa, que acompanhou o processo conduzido essencialmente pelo primeiro-ministro.
Embora responsáveis dos gabinetes do primeiro-ministro e do ministro da Justiça tenham afirmado ao PÚBLICO que Fernando Pinto Monteiro foi "a primeira e única opção do Governo", ao longo do processo outros nomes chegaram a ser apontados como possíveis escolhas de Sócrates, como foi o caso de Rui Pereira e de Daniel Proença de Carvalho.
A proposta de nomeação levada ontem à tarde a Belém pelo primeiro-ministro merecera a aprovação prévia do Governo - órgão a quem compete propor a figura indigitada. Mas essa aprovação do Executivo recaiu exclusivamente sobre o perfil do procurador-geral da República desejado, uma vez que na rápida reunião, que se realizou depois do almoço, não foi apresentado pelo primeiro-ministro o nome, mas apenas o perfil do sucessor de Souto Moura. O sigilo foi tal que ontem os jornalistas não tiveram sequer acesso ao Palácio de Belém.
Equilíbrio de forças nas magistraturasSob o ponto de vista das relações interprofissionais, a escolha não é inocente nem inócua. Pinto Monteiro era o único potencial adversário de Noronha do Nascimento às próximas eleições para a presidência do Supremo Tribunal de Justiça (STJ).
Ainda em Agosto, em entrevista ao PÚBLICO, admitia essa hipótese, confirmando-se como o rosto alternativo à actual linha maioritária dos juízes. Já em 2004 disputou (e perdeu) a vice-presidência do Conselho Superior da Magistratura com António Santos Bernardino, o braço-direito de Noronha do Nascimento, que, na mesma altura, saiu derrotado da corrida à presidência do STJ.
Mas se a escolha do futuro PGR parece esvaziar uma guerra na magistratura, ela pode surgir também como um forte travão à linha mais corporativa dos juízes. Ao escolher o rosto da oposição ao sistema para a cúpula do Ministério Público, o Governo faz um delicado equilíbrio de forças dentro das magistraturas. Fernando Pinto Monteiro é um dos dinamizadores do Movimento Justiça e Democracia, visto como um sector menos corporativo e mais aberto da magistratura, assumidamente anti-sistema.
Para o Ministério Público (MP), a escolha é uma meia derrota: a não nomeação de um magistrado desta carreira para o lugar sugere tratar-se de uma penalização pelo desenrolar do processo Casa Pia. Mas, por outro lado, a personalidade e perfil de Pinto Monteiro podem ser o garante da independência e autonomia desta magistratura. O que ajuda a compreender a mensagem do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, ao assinalar "a coragem e a determinação revelada pela aceitação de tão nobre e aliciante quanto exigente e difícil desafio, num quadro conjuntural particularmente exigente".