Aurélio da Paz dos Reis O pioneiro do cinema que optou pela fotografia
O inventor do cinema português morreu há 75 anos. As suas principais paixões foram a fotografia, a floricultura e a cidadania
Aurélio da Paz dos Reis (1862-1931), o pioneiro do cinema português, morreu faz hoje 75 anos. A efeméride vai passar discreta, no país como na sua cidade natal, o Porto, onde não há notícia de nenhuma iniciativa de evocação do homem que, para além de ter "realizado" as primeiras fitas portuguesas, se destacou principalmente como fotógrafo, mas também como político republicano e... floricultor.A data que inscreveu o nome de Paz dos Reis na história do cinema português é 12 de Novembro de 1896. Nessa noite, e menos de um ano após a primeira sessão pública do cinematógrafo dos irmãos Lumière - 28 de Dezembro de 1895, em Paris -, Paz dos Reis promoveu a sessão inaugural do Kinetographo Portuguez. Fê-lo no Teatro do Príncipe Real (actual Sá da Bandeira), onde apresentou "doze perfeitíssimos quadros" com "scenas e epizódios da Vida Portuguesa". Entre eles contavam-se Saída do Pessoal Operário da Fábrica Confiança (filme que "imitava" a Saída dos Operários da Fábrica Lumière, dos pioneiros franceses), mas também a Chegada de um Comboio Americano a Cadouços, Feira de Gado na Corujeira e No Jardim - os únicos de que chegaram cópias (ou excertos) até à actualidade, e que estão depositados na Cinemateca Portuguesa.
Segundo rezam os jornais da época, a sessão do Príncipe Real motivou um entusiasmo efémero. Paz dos Reis levou depois o seu invento a outras cidades, e em Janeiro de 1897 aventurou-se mesmo numa viagem ao Brasil, mas também sem grande sucesso. Talvez isso justifique o seu abandono prematuro do cinema, virando-se depois para a floricultura e para a fotografia.
A sua actividade como fotógrafo foi a que perdurou, estando a sua vasta obra (mais de 10 mil peças) depositada no Centro Português de Fotografia (CPF)/Cadeia da Relação. Este espólio foi doado ao CPF (e à cidade do Porto) por Hugo da Paz dos Reis, sobrinho do pioneiro, e foi apresentado numa exposição em Dezembro de 1998. No valioso catálogo que acompanhou a mostra - Manual do Cidadão Aurélio da Paz dos Reis -, a directora do CPF, Teresa Siza, escreveu: "Aurélio era, realmente, um fotógrafo exímio. Produziu das mais belas fotografias da viragem do século, e produziu-as com um labor minucioso e muito saber, pois não tinha as condições de trabalho de um profissional como os muitos que havia no Porto. São do tempo de Aurélio alguns dos melhores fotógrafos do país, como Emílio Biel e Cunha Moraes, Benoliel ou Francisco Camacho".
Distinções internacionaisE foi como fotógrafo que Paz dos Reis se viu distinguido internacionalmente: na Exposição Universal de Paris de 1900 (medalha de prata por uma fotografia estereoscópica sobre uma feira de gado); na Exposição Internacional do Panamá de 1915 (medalha de ouro); e na Exposição Internacional da Independência do Rio de Janeiro, em 1923.
Na sua vasta e multifacetada biografia, Paz dos Reis ostenta ainda vários prémios como floricultor (actividade muitas vezes registada em fotografia por si próprio). E foi um político republicano e combatente pela cidadania: participou na revolta do 31 de Janeiro de 1891 e, já depois da implantação da República, desempenhou vários cargos na Câmara do Porto.
Morreu no dia 19 de Setembro de 1931, aos 69 anos, de congestão cerebral, e já depois de ter visto desaparecer três dos seus quatro filhos, vitimados pela pneumónica.