A verdade que incomoda, segundo Al Gore
Para quem quer saber os porquês das alterações climáticas, o ex-vice-presidente dos EUA oferece uma explicação clara, num filme que é um misto de mensagem e autopromoção
Didáctico. Tão didáctico que porventura as quase três centenas de pessoas que assistiram terça-feira à antestreia do filme Uma Verdade Inconveniente, em Lisboa, terão ido para a cama seguras como nunca de que o problema do aquecimento global de facto existe e ameaça as gerações futuras.O professor é o ex-vice-presidente dos Estados Unidos Al Gore. E a aula desenrola-se ao longo das duas horas do filme, que hoje se estreia em Portugal.
Na verdade, o filme é uma versão expandida de uma apresentação habilmente montada, que Al Gore tem levado aos quatro cantos do planeta. "Já fiz esta apresentação mais de mil vezes", diz Gore, em voz off. A cada slide, o espectador vai ficando mais enredado nos porquês das alterações climáticas.
Há muitos consensos e incertezas sobre as alterações climáticas. Gore começa por mostrar as principais evidências que convenceram milhares de cientistas, e praticamente todos os Governos do mundo, de que a humanidade tem um problema sério nas mãos.
Uma das mais recentes está num gráfico que mostra a relação entre a temperatura da Terra e a concentração de dióxido de carbono, um dos três gases capazes de aquecer a atmosfera. Nos últimos 650 mil anos, há uma coincidência clara entre ambos, seja em períodos em que o planeta foi mais quente, seja nas várias glaciações - embora haja quem questione se foi a temperatura que reagiu aos gases com efeito de estufa, ou vice-versa.
Outra evidência aceite consensualmente é a de que a concentração de gases com efeito de estufa está a subir em flecha e, em centenas de milhares de anos, nunca foi tão alta como agora. E a culpa é da humanidade, que está a queimar petróleo e carvão e a derrubar florestas.
A apresentação de Gore vale-se do poder convincente dos dados científicos, mas também dos efeitos teatrais. Para mostrar até onde pode ir a concentração de gases, o ex-vice-presidente sobe a uma plataforma mecânica e eleva-se a alguns metros do solo, até chegar ao topo do gráfico.
O filme utiliza as mesmas imagens dramáticas, e reais, que costumam ilustrar o problema do aquecimento global nas notícias: glaciares a derreter, a retracção das neves do Kilimanjaro, o furacão Katrina, o típico chão gretado das secas. Diz que o derretimento do gelo é um sintoma do aquecimento da Terra e aponta que, num futuro mais quente, haverá mais eventos climáticos extremos.
A apresentação de Gore adiciona uma dose suplementar de drama, através de algumas especulações. Se todo o gelo da Gronelândia se fundisse, segundo o filme, o nível do mar subiria seis metros, alagando zonas densamente povoadas dos Estados Unidos. As simulações, que Gore mostra sobre fotos aéreas, indicam até que o buraco onde antes estavam as torres do World Trade Center, em Nova Iorque, ficaria cheio de água. Mas nos cenários mais consensuais entre a comunidade científica, o mar não subirá além de 88 centímetros até 2100.
Outros exageros e algumas analogias que o filme traz podem servir de alvo para os críticos da ideia de que a Terra está a aquecer por culpa do ser humano. Também as imagens adicionais de Al Gore, a trabalhar no seu computador portátil, a reflectir sobre momentos da sua vida, a mostrar a sua quinta, beliscam a mensagem central e expõem um dos aparentes objectivos do filme: o de promover o ex-vice-presidente. E para quem quer convencer os cidadãos a fazerem mais em prol de um planeta climaticamente aprazível, o ex-vice-presidente esqueceu-se de um detalhe: aparece várias vezes a andar de carro, mas nunca de transportes públicos.
Ainda assim, as explicações claras, as imagens fortes e o discurso coerente de Al Gore possuem um inegável magnetismo, que possivelmente nenhum relatório científico será capaz de ter. "Isto faz com que as pessoas entendam a mensagem", afirma Francisco Ferreira, da associação ambientalista Quercus.
O secretário de Estado do Ambiente, Humberto Rosa, deixou a sala convencido de que os efeitos das alterações climáticas vão ser sentidos mais cedo do que imaginava. "É um filme recomendável para toda a gente", disse.