apito dourado Escutas apanharam Vieira a escolher árbitros para o benfica
Presidente dos encarnados recusou quatro árbitros para apitar as meias-finais da Taça de Portugal, na época 2003/2004, no ano em que o Benfica ganhou a final ao FC Porto. Luís Filipe Vieira protestou com Valentim Loureiro por não designarem Paulo Paraty, conforme havia sido garantido ao clube semanas antes. Mas, depois de muito reclamar e de recusar árbitros por não lhe darem "garantias" ou por estarem próximos do FC Porto, acabou por avalizar João Ferreira. As conversas estão transcritas no processo principal do Apito Dourado, mas o presidente do Benfica nega a sua existência. Por Tânia Laranjo
As escutas do processo Apito Dourado revelam que Luís Filipe Vieira, presidente do Benfica, se envolveu directamente na escolha do árbitro do jogo das meias-finais da Taça de Portugal da época de 2003/2004 em que o Benfica ganhou ao Belenenses por 3-1. Esse jogo foi arbitrado por João Ferreira, de Setúbal, na sequência da nomeação acertada num telefonema entre Valentim Loureiro e o presidente dos encarnados. Nessa conversa, Luís Filipe Vieira começa por se queixar pelo facto de o árbitro nomeado para o jogo já não ser Paulo Paraty, conforme havia sido anunciado por Pinto de Sousa, à data presidente do Conselho de Arbitragem da Federação, a um advogado com ligações ao Benfica. A discussão foi acesa, com Valentim a esforçar-se por apaziguar os ânimos do dirigente e sugerir-lhe nomes de árbitros para substituir Paraty. Vieira, que diz não ter "preferência" por "ninguém", acaba por recusar o nome de quatro internacionais - "não me dá garantias", disse de alguns deles. A solução acabou por ser João Ferreira, o árbitro que amanhã estará no arranque do campeonato para os da Luz, quando defrontarem o Boavista no Bessa (ver texto na página seguinte).
As escutas telefónicas estão apensas ao processo principal do Apito Dourado, mas Cunha Vaz, responsável pelo gabinete de imprensa do Benfica, negou a sua existência. "O sr. Luís Filipe Vieira nunca falou com Valentim Loureiro por causa dos árbitros da Taça. Isso é mentira, até porque quem os nomeava era a Federação. O Benfica nunca escolheu qualquer árbitro", assegurou. Valentim Loureiro, por sua vez, não se disponibilizou para prestar qualquer esclarecimento.
Vieira irritado ao telefone15 de Março de 2004. Paulo Paraty tinha arbitrado o jogo do Belenenses-Nacional para o campeonato. Por esse motivo, não podia ser indicado para o jogo da Taça, que ocorreria dois dias depois, obrigando Pinto de Sousa, que, à data, liderava o Conselho de Arbitragem, a procurar outra opção. Pinto de Sousa tentaria contactar Vieira para justificar a mudança, mas o dirigente benfiquista deixou de lhe atender o telefone, o que acabaria por levar Valentim Loureiro a envolver-se num jogo que estava fora da alçada da Liga.
"Disseram-me que era o Paulo Paraty o árbitro... Agora dizem-me à última hora, vêm-me dizer que já não pode ser o Paulo Paraty por causa do Belenenses", lamentava-se Vieira a Valentim, enquanto respondia às sugestões dadas por este. "Não quero Lucílio nenhum! (...) O António Costa?! F... Isso é tudo Porto! (...) O Duarte, nada, zero! (...) O Proença também não quero!"
Só o nome de João Ferreira agradou ao presidente do clube da Luz. "O João pode ser", disse, depois de conhecer os candidatos possíveis. A lista era reduzida, porque Pinto de Sousa considerava que o jogo tinha de ser apitado por um árbitro internacional e havia-o dito a Vieira e a Valentim Loureiro.
Nesta conversa com o presidente da Liga, Luís Filipe Vieira estava visivelmente irritado. E confessou a Valentim Loureiro que tinha sido informado de que o árbitro seria Paulo Paraty duas ou três semanas antes. O nome agradava-lhe e a sua substituição foi atribuída a uma manobra do FC Porto, cujo presidente, Pinto da Costa, "controlava tudo", na opinião de Luís Filipe Vieira. No entendimento do dirigente benfiquista, Pinto da Costa decidira até que quem arbitraria o Braga-Porto, também para as meias-finais da Taça, seria Bruno Paixão. "O Bruno Paixão, em Gil Vicente, eu estendi-lhe a mão para o cumprimentar, não me cumprimentou! Como é que esse gajo [Pinto de Sousa] vai nomear esse gajo para apitar?", perguntava Luís Filipe Vieira, não escondendo a indignação e deixando clara a ameaça: "Eu não sou como o Dias da Cunha. (...) Eu vou [à RTP] fazer alguns alertas para o futebol português".
Pinto de Sousa explica-seMinutos depois, um novo telefonema de Valentim Loureiro a Pinto de Sousa é revelador. O segundo desculpa-se ao presidente da Liga por não ter indicado Paulo Paraty. Este árbitro havia sido sorteado para o jogo da Liga, também com o Belennenses, o que o levou a aceitar a indicação de Vieira e nomear João Ferreira para a Taça.
Ainda na mesma conversa, Pinto de Sousa conta a Valentim que a promessa de que Paulo Paraty seria o escolhido tinha sido feita inicialmente a João Rodrigues (um advogado com ligação ao Benfica), duas ou três semanas antes. Mas assegurou que a nomeação para o campeonato acontecera apenas porque se tinha esquecido de avisar Luís Guilherme, o responsável pela gestão da arbitragem para os jogos da Liga.
Sobre a possibilidade levantada por Luís Filipe Vieira de que o Porto teria escolhido o árbitro para a sua própria meia-final, Pinto de Sousa desmentiu-o. E explicou: "Foi um pedido do Salvador (presidente do Braga). Não indicar nem o Olegário, nem o António Costa".