Tony Blair salva a rainha (e Stephen Frears também)
Diana de Gales morreu, os britânicos ficaram à espera das emoções da família real e, enquanto isso, Isabel II e companhia ficaram paralisados. Valeu-lhes o recém-eleito primeiro-ministro,
Tony Blair. The Queen, comédia de Stephen Frears, conta o que se passou nessas duas semanas
Vénia perante Helen Mirren, que é Dame Helen Mirren mas que, em Veneza, num país republicano, é apenas actriz. Vários minutos de aplausos para ela, e depois para o realizador Stephen Frears e para o argumentista Peter Morgan, quando a equipa de The Queen (competição) entrou, ontem, na sala de conferências de imprensa do Festival de Veneza. Ela veio apresentar o papel "mais assustador" da sua carreira, "por todas as razões, pelo facto de a personagem estar viva, porque, por melhor que sejamos, nunca conseguimos fazer-lhe justiça" - a personagem é Isabel II de Inglaterra.
Frears e Morgan vieram mostrar como reconstituíram as duas semanas que se seguiram à morte de Diana de Gales, em 1 de Setembro de 1997, semanas em que a família real britânica entrou em crise, posta em causa nos seus rituais, na sua postura e imagem públicas pela onda de comoção dos britânicos que varreu o país.
O realizador e argumentista olharam também para um recém-eleito primeiro-ministro, o trabalhista Tony Blair, que, naquelas semanas, e fascinando os que esperavam por mudanças, conseguiu evitar o que parecia inevitável: a ruptura entre a rainha e o povo, que não via no comportamento de Isabel II e família, "refugiados" no Castelo de Balmoral, na Escócia, sinais de proximidade emocional, de reconhecimento da dor, de apoio.
E então as personagens podem ser (aqui pode haver família disfuncional): Isabel II, rígida, agarrada ao protocolo, com dificuldades em mostrar emoções; Filipe, príncipe consorte, sempre preocupado com a caça, sempre a falar em veados ou então a protestar quando a imagem de Diana aparece na TV; a rainha-mãe, já fora de tempo mas ainda a viver no seu tempo, o passado; Carlos, príncipe herdeiro, temeroso, obcecado pelo fantasma do assassinato: sempre a ver materializar-se um assassino de arma em punho a disparar contra ele; finalmente, Tony Blair, ainda desconhecendo os corredores de Buckingham, porque é recém-eleito primeiro-ministro, mas com a intuição de que a morte de Diana revelou uma mudança de comportamento e costumes nos britânicos que a Coroa tem de integrar.
Se assim é, o sucesso de The Queen, do trabalho de argumentista, realizador e actores, tem uma explicação: nenhuma personagem se encaixa pura e simplesmente no molde caricatural. Para ficarmos só com Tony Blair (interpretado por Michael Sheen) e Isabel II (Helen Mirren), os passos, desafios, hesitações tentados entre ambos não mostram apenas a dança de um herói dos novos tempos a irromper pela atmosfera pesada do palácio real e a abanar o statu quo.
Blair - interpretado pelo mesmo actor que fez de primeiro-ministro no anterior filme de Frears, The Deal, feito para TV e dedicado à vitória do candidato trabalhista dentro do partido - será uma brisa de ar novo, mas o fascínio, evidente, que sente pela rainha não o deixa colocar-se como oponente triunfante.
Quanto a Isabel, menina educada na austeridade da II Guerra Mundial, não é apenas uma mulher incapaz de responder às novas solicitações do seu país: é também a sua âncora de solidez, mulher complexa que escolheu dedicar-se ao trono. E não há réplica que não consiga dar a Blair.
Não se espere um filme pró-Diana e anti-Isabel - era o que os anunciadores de escândalos prometiam, um xeque à rainha. E não é certo que, mesmo feito por quem, politicamente, esteja mais próximo do primeiro-ministro do que da rainha, o filme possa ser aproveitado como instrumento para tratar da imagem hoje desgastada de Blair (é o receio de alguns nas ilhas britânicas). Este Blair de um tempo ainda de lua-de-mel com os seus eleitores já tem as marcas de uma desilusão presente. Se há uma coisa que The Queen mostra, afinal, é que God save the queen. Não é isto uma vénia à rainha? É isto uma contradição, sendo um filme realizado por um cineasta que se tem dedicado a olhar criticamente as instituições do seu país? Não, e não poderia ser de outro modo, porque é uma magnífica comédia, com alguma gravidade, sobre o que é isso de "ser inglês".