O Independente
O Independente não acabou hoje. O que hoje acabou foi um título e a ruína do que O Independente tinha sido. Continuava a comprar aquela melancólica coisa, mas não a lia há muito tempo. Chegava no molho de jornais, saía por abrir no molho de jornais. Feito por gente muito nova (Miguel Esteves Cardoso andava pelos trinta e Paulo Portas pelos vinte e tal), O Independente não conseguiu crescer. De resto, tanto um como outro acabaram por o abandonar. Miguel, logo ao princípio, pela revista K e a literatura, Paulo um pouco depois pelo PP e pelo Parlamento. O Independente nunca passou de uma "fase" da vida dos dois. Talvez por isso, mesmo no auge, nunca perdeu um certo ar de improvisação e de aventura, que fazia o seu encanto e também anunciava a sua morte.Transformar O Independente numa instituição era impossível. Constança Cunha e Sá quase conseguiu. Infelizmente a ideia de voltar atrás, de imitar, de repetir por um qualquer milagre o sucesso original pesava de mais. Na administração, na redacção, nos próprios leitores. Ninguém percebeu que O Independente precisava de mudar com o mundo. Nascido e sustentado pelo "anticavaquismo" e pela revelação de uma direita militante, como iria viver com Guterres no Governo e com a direita reduzida ao PP? Nascido e sustentado, no 3.º Caderno, pela primeira geração impermeável ao marxismo, que não vinha da ditadura ou do PREC e que desprezava (ou ignorava) imparcialmente a história oficial e a cultura ortodoxa, como iria resistir à usura, à banalização e ao envelhecimento? A verdade é que não resistiu.
Os melhores jornais (no sentido de influentes), como, por exemplo, em Portugal, A Revolução de Setembro de Rodrigues Sampaio, o Diário Popular de Mariano de Carvalho, O Século e até o antigo Expresso são o produto de uma época. O país "reconstituído" e normalizado de Cavaco, com a sua autoridade e a sua incurável arrogância, pedia uma enorme dose de agressão, insolência, audácia e desacato. O Independente, sendo livre, consolou o país. Até a esquerda, muito à socapa, lhe agradeceu. Mas, se em todo o exercício houve um sentimento, um estilo e uma espécie de euforia, não houve uma verdadeira substância: nem uma visão organizada e partilhada da política, nem um género de jornalismo, nem uma base financeira sólida. De qualquer maneira, valendo o que valeu, a incursão romântica de O Independente pelo Portugal do respeitinho, única no século, alegrou a alma. A minha, pelo menos.