Uma geração que fez e ainda faz história
Os baby boomers passaram da rebeldia ao poder, mas continuam a fazer história. Só que, chegados aos 60 anos, enfrentam o ocaso dos seus sonhos
"Continuarão a precisar de mim, continuarão a alimentar-me, quando eu tiver 64 anos?", cantava Paul McCartney, ainda no tempo áureo dos Beatles, em When I"m sixty-four. Pois bem: McCartney chegou aos 64 anos em Junho de 2006 (ele é, juntamente com cantores como Bob Dylan, Paul Simon ou Mick Jagger um pré-baby boomer) e o drama da velhice que ele prefigurava nesses anos da sua juventude é hoje uma ameaça que paira sobre todos os cidadãos, anónimos ou famosos, nascidos no pós-guerra. Não pela velhice em si, que acompanha todos os seres vivos desde a sua génese, mas pela crise dos sistemas de Segurança Social aliada a uma crescente esperança de vida. Não sabemos, por isso, se "continuarão a alimentar-nos", se, e quando, a ruptura se instalar.Não deixa de ser curioso que os anos de 1946 e 1964 sejam os escolhidos para balizar, nos Estados Unidos mas também em países europeus como a Grã-Bretanha ou a França (Portugal ficou à margem do fenómeno por razões estruturais e históricas), o fenómeno da explosão demográfica sequente ao morticínio da II Guerra Mundial. Não só porque jogam com os mesmos números em sentido inverso, mas também porque desembocam no célebre "64" da canção de McCartney, fazendo dele uma espécie de muro terminal de longínquas aspirações que, em grande parte, ficaram pelo caminho. Independentemente disso, a geração do pós-guerra foi determinante no moldar das sociedades em que hoje vivemos. Primeiro, pela contestação: à guerra, ao racismo, à discriminação racial, ao modo de viver dos pais, à hipocrisia que encheu de tabus a geração anterior. Depois, pela alteração radical de hábitos: a revolução sexual, o papel social, revolucionário e iconoclasta da arte, com particular destaque para a música. Por fim, com a primeira crise de valores e escolhas: os muitos ex-jovens rebeldes que ascenderam à classe média balançaram entre a concorrência feroz e o desemprego como quem balança na forca - neste caso, a forca que sacrificou o seu idealismo.
Passadas as sucessivas vagas de mudança, os baby boomers ascenderam ao poder e continuaram a fazer história: boa, má, sofrível, medíocre, ao sabor dos seus talentos e capacidades. Dois baby boomers, Bill Clinton e George W. Bush, ocuparam em mandatos consecutivos a Presidência dos EUA, com os resultados que se conhecem. O sorridente Bill Gates divide-se entre a maior fortuna do mundo e a filantropia. O cineasta Oliver Stone, depois de espiar os sonhos e pecados dos anos 60 (a guerra do Vietname, o assassinato de Kennedy, a queda de Nixon, o visionarismo dos Doors), enfrenta agora, em World Trade Center, o pesadelo do terrorismo dos nossos dias. Isto só para falar de personagens norte-americanos. Todos eles envelheceram, a par com o mundo que ajudaram a moldar. Na próxima década, quando passarem dos 60 aos 70 anos, será talvez mais fácil avaliar o peso da sua herança. Não só deles como de toda uma geração que, apesar dos erros e sonhos falhados, foi, e talvez ainda seja, mesmo no ocaso dos seus sonhos, das mais marcantes da história contemporânea.