Nobel alemão Günter Grass revela ter pertencido às SS nazis
O autor de O Tambor sempre reconheceu ter integrado o Exército de Hitler, mas só agora, aos 78 anos, tornou público que pertenceu à unidade de elite do regime nazi
Esperou até quase aos 80 anos - que completa em 2007 - para fazer a grande confissão da sua vida: Günter Grass, escritor alemão e Prémio Nobel da Literatura em 1999, revelou ao Frankfurter Allgemeine Zeitung que na juventude pertenceu às Waffen SS, a unidade de elite do regime nazi. Porque o fez agora? "Era algo que me pesava", explicou na entrevista. "O meu silêncio durante todos estes anos é uma das razões pelas quais escrevi este livro [a sua autobiografia]. Era algo que tinha que contar...". Que Günter Grass integrara o Exército alemão durante a fase final da II Guerra Mundial, numa unidade de defesa antiaérea, não é uma novidade. Ele contou várias vezes que, aos 15 anos, entrou, como voluntário, para as forças hitlerianas - mas nunca anteriormente tinha revelado que pertencera às SS, a temível força dirigida por Heinrich Himmler, e que no final da guerra foi considerada uma organização criminosa. O episódio tornado público agora através dos jornais é relatado na sua autobiografia, Beim Hauten der Zwiebel (Descascando a Cebola), a lançar em Setembro.
Há, no entanto, quem pense que Grass - um dos maiores intelectuais alemães contemporâneos e o escritor alemão mais conhecido fora do seu país, pacifista e feroz defensor de posições políticas de esquerda - esperou demasiado. Para o seu biógrafo, Michael Jurgs, a confissão tardia marca "o fim de uma instância moral", sobretudo porque o autor de O Tambor passou grande parte da sua vida - e da sua obra - a obrigar os alemães a olhar para o passado, a enfrentá-lo.
"A História", disse uma vez, "ou, para ser mais preciso, a História que nós, alemães, temos repetidamente complicado, é como uma retrete entupida. Puxamos o autoclismo, puxamos, mas a porcaria continua a vir para cima". E o que Grass faz, escreveu Nicholas Lezard no The Guardian na altura do lançamento do livro A Passo de Caranguejo, é "agir como alguém que enfia o nariz do cão na sua própria porcaria para, presume-se, ele aprender a fazer melhor no futuro".
Na entrevista ao jornal alemão, o escritor explica mais uma vez o que o levou a alistar-se voluntariamente no Exército alemão. "Ao princípio, o que eu queria era escapar de tudo aquilo. Do sufoco, da família. Queria acabar com tudo, e alistei-me por isso". Um ano depois chegava a ordem para se alistar. "Depois dei-me conta, talvez ao chegar a Dresden, que estava nas Waffen SS".
"Pensava que era propaganda"
Em que momento exacto percebeu que ia integrar as SS, não sabe dizer. "Não tenho a certeza de como se passou. Poderia tê-lo sabido através da ordem para me alistar? Ou só me dei conta ao chegar a Dresden? Já não sei". Mas reconhece que, naquele momento, quando tomou consciência do sítio onde estava, não foi invadido por nenhum sentimento de culpa. "Mais tarde esse sentimento de culpa pesou-me como uma ignomínia. Para mim está sempre ligado à pergunta: "Naquele momento poderias ter percebido o que estava a acontecer contigo?"".
Na altura, admite, as SS não tinham "nada de repugnante". "Idiota como era, pensava [até ao processo de Nuremberga] que os alemães não faziam esse tipo de coisas, e que era tudo propaganda", confessa. Só percebeu o terror que inspirava a sigla SS quando a sua divisão já estava completamente vencida e um dos seus superiores lhe disse para mudar de uniforme.
Noutra entrevista, em 1999, ao El País, Grass respondia claramente à pergunta do jornalista: ""Acreditava na ideia de Hitler da grande Alemanha?" "Sim, acreditei até 1945. Cresci na Juventude Hitleriana e estou imunizado desde então contra qualquer ideologia"". E insistia mais uma vez que os alemães não podem simplesmente esquecer o passado. "O escritor tem que olhar para as feridas aparentemente curadas e voltar a abri-las".
Parte desse reabrir das feridas passa por rejeitar a ideia de que, durante o nazismo, "o pobre povo alemão foi seduzido por uma horda de tipos tenebrosos", volta agora a dizer ao Frankfurter Allgemeine Zeitung, e por reconhecer que, "no que respeita à juventude [incluindo ele próprio], muitos, muitos estavam entusiasmados".
O jovem que nos anos 40 tanto queria escapar à família nascera em 1927 em Danzig (actual Gdansk), na Polónia, onde os seus pais eram comerciantes. Em 1945 foi ferido e enviado para um campo de prisioneiros de guerra americano, onde ficou até 46. Foi mineiro, pedreiro (e depois escultor), mas em 1959 O Tambor revelou-o como um escritor maior e o representante literário da geração que cresceu com o nazismo.
Na década de 1960 envolveu-se na vida política alemã, apoiando o Partido Social Democrata (SPD) e o seu presidente, Willy Brandt. E em 1990 foi um dos grandes adversários da reunificação do seu país. "Não quero subir para um comboio que ninguém guia e que não responde aos sinais de alerta. Fiquei de pé na estação".