Forma contagiosa de cancro canino transmite-se através das células do tumor
A doença transmite-se sem ser detectada uma infecção viral, o que contraria a compreensão que os cientistas têm do cancro
Uma forma de cancro contagiosa foi confirmada nos cães e poderá ter tido origem nos lobos, há cerca de 200 anos. A descoberta foi feita por um grupo de investigadores coordenado por Robin Weiss, da University College, em Londres, e é hoje publicada na revista Cell. Os resultados têm implicações importantes em termos biológicos, ao mostrar que uma célula cancerosa pode ser um parasita bem sucedido. O estudo teve como base marcadores genéticos de cães com tumores oriundos dos cinco continentes. Foi traçada a origem do tumor canino transmitido sexualmente (CTVT, na sigla em inglês) e descobriu-se que esse cancro se transmite de cão para cão através das próprias células cancerosas, sem que tenha sido detectada uma infecção viral.
Os investigadores forenses analisaram os tumores e as amostras de sangue de 16 cães sem qualquer relação entre si, oriundos da Itália, da Índia e do Quénia. Foram também analisadas amostras de tumores de outros animais, provenientes do Brasil, dos Estados Unidos, da Turquia, de Espanha e de Itália.
O ADN isolado nos tumores e o das amostras de sangue não condiziam, o que prova que as células cancerosas não pertenciam aos cães em que se tinham alojado. Por outro lado, havia muitas semelhanças entre os tumores, que eram, portanto, uma espécie de clones que se tinham disseminado.
As estimativas dos investigadores apontam para que este cancro parasita dos cães tenha cerca de 200 anos de existência e origem nos lobos, o que o transforma no mais antigo cancro conhecido e provavelmente a mais longa propagação contínua de células em mamíferos. Essa conclusão resultou da comparação entre as sequências genéticas dos tumores e os genes relacionados dos cães e dos lobos.
Este tipo de tumor consegue contornar o sistema imunitário do cão, numa fase inicial. Mas, em muitos casos, a resposta acaba por ser eficaz e o tumor regride ou desaparece, embora permaneça o tempo suficiente para ser transmitido.
Aparentemente, a doença transmite-se através de contacto sexual, mas os investigadores admitem que poderá também contagiar os cães que lambem, mordem ou cheiram as áreas afectadas. É necessária, no entanto, a transmissão de células cancerosas vivas.
"A ideia de que este cancro nos cães pode ser provocado pela transmissão de células tumorais já tem algum tempo - 30 anos ou mais", adiantou Robin Weiss em comunicado de imprensa. "Mas não havia a certeza que hoje existe", adiantou.
Um outro fenómeno tinha já suscitado a curiosidade dos cientistas e levantado a hipótese de o cancro se transmitir através da transferência de células. Trata-se da elevada incidência de cancro facial entre diabos da Tasmânia, marsupiais em vias de extinção, que tem levado a crer que o contágio se faz através das suas dentadas.
A partir das conclusões deste estudo, Robin Weiss não descarta a possibilidade de transmissão sexual de tumores entre os humanos, e salienta os casos de pessoas com o sistema imunitário debilitado - transplantados que tomam imunossupressores ou portadores de sida, por exemplo - e o facto de tumores ocultos em órgãos doados terem já, em alguns casos, resultado em cancro.