Torne-se perito

O meteorito marciano afinal não tinha bactérias fossilizadas

Há dez anos, a NASA fez um anúncio fantástico, mas que nunca se confirmou:
tinham-se descoberto provas de que houve vida em Marte, há 4500 milhões de anos

Era uma fantasia da ficção científica tornada realidade: há dez anos, a NASA anunciava a descoberta de vida em Marte. Era vida passada, e eram apenas vestígios de bactérias, mas ainda assim causou uma sensação.Foi numa conferência de imprensa em Washington, a 6 de Agosto de 1996, que o então administrador da NASA, Daniel Goldin, mostrou imagens muito aumentadas do meteorito de 1,8 quilos encontrado na Antárctida. Baptizado ALH84001, tinha como que uma fiada de glóbulos, que os cientistas suspeitavam que fossem indícios bacterianos.
"Se estes resultados se confirmarem, é um ponto de viragem na história da humanidade", disse o astrofísico Carl Sagan, que veio a morrer no final de 1996. Mas, uma década depois, os resultados não estão confirmados. Encontraram-se explicações não-biológicas para todas as eventuais provas de que estaríamos perante vestígios orgânicos. Actualmente, apenas os cientistas que reclamaram a descoberta ainda a defendem.
"É verdade que não convencemos a comunidade científica, e isso é decepcionante", confessou David McKay, o bioquímico da NASA que liderava a equipa. Mas, apesar de as suas conclusões serem postas em causa - e o irmão de McKay é uma das vozes mais críticas - continua a ser respeitado pelos colegas.
O anúncio e o artigo científico em que foi descrito o meteorito é tido como determinante para o nascimento da exobiologia, a ciência que investiga a possibilidade de existência de vida para além da Terra.
"Se não fosse esse artigo, não estaria a trabalhar nesta área", disse Martin Fisk, um geólogo marinho que estuda como é que as bactérias sobrevivem no fundo do mar - porque esse ambiente extremo pode replicar o de outros planetas com vida.
A discussão científica sobre a natureza dos glóbulos que se encontram no meteorito marciano pode ser determinante para avaliar outros indícios da existência de vida extraterrestre, quer em meteoritos ou até em amostras de rochas colhidas directamente em Marte e trazidas para a Terra.
O meteorito ALH84001 foi achado na Antárctida, na região de Allan Hills, em 1984 e é uma rocha com cerca de 4500 milhões de anos - data dos primórdios da formação do sistema solar, e de um período em que deve ter existido água líquida em Marte. Se houvesse água, podia haver vida, portanto faz sentido perguntar se aquelas formas estranhas podiam ser fósseis de bactérias primitivas.
Análises químicas revelaram que o meteorito contém moléculas orgânicas, denominadas hidrocarbonetos aromáticos policíclicos (PAH). Estas moléculas podem ser produzidas por processos orgânicos, mas também se encontram frequentemente em meteoritos - e no gelo da Antárctida, onde esteve caído o meteorito durante 13.000 anos, até ser recolhido.
Outro eventual indício de vida era a fiada de glóbulos, que poderiam ser bactérias. Mas são 100 a 1000 vezes mais pequenas do qualquer bactéria conhecida, o que torna essa hipótese pouco provável. Não teriam tamanho suficiente para conter todas as proteínas necessárias para executar nem mesmo os processos metabólicos mais simples. A certa altura, a equipa de McKay sugeriu que não seriam bactérias inteiras, mas apenas partes de organismos maiores. Mas a ideia também não vingou.
Pensou-se também que poderiam tratar-se de registos minerais produzidos por micróbios, como os carbonatos das conchas de animais marinhos, ou os cristais de magnetite produzidos por algumas bactérias, para se alinharem com os campos magnéticos.
A hipótese da magnetite foi a que durou mais tempo, porque pareciam mesmo de origem biológica. Mas, em 2001, a equipa de Gordon McKay (o céptico irmão de David) conseguiu produzir em laboratório cristais de magnetite com o mesmo aspecto.
"Ele ficou um bocado irritado com estes resultados", contou Gordon McKay, que trabalha no mesmo edifício que o irmão. "Mas mostrámos que é possível formar estas estruturas inorganicamente."
Assim, dez anos depois do fantástico anúncio, ainda esperamos por sinais inequívocos de vida extraterrestre.

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