"DÓI VER O ESTADO EM QUE ESTÁ A CASA" DE AMÁLIA, NO BREJÃO

O primeiro sinal de abandono está patente na corrosão que mina as cores
do enorme malmequer de chapa zincada que a fadista pintou e colocou para assinalar o acesso ao seu espaço de retiro. O resto são nove hectares sem préstimo

Nos confins da costa alentejana, no lugar de Brejão, freguesia de S.Teotónio, concelho de Odemira, Amália Rodrigues ergueu no início dos anos 60 do século passado, a sua casa de retiro. Era o orgulho dos naturais da aldeia com quem a fadista partilhou muitos dos seus momentos de lazer.Hoje a casa que Amália chegou a disponibilizar aos noivos de Brejão para as fotos de casamento está vedada à população. " Dói ver o estado em que está" - é o lamento mais comum que se houve na pequena comunidade. A humidade, os ventos marítimos, a falta de manutenção e de uma alternativa para a utilização, estão a degradar a quinta.
A observação só é possível do exterior. Mesmo assim, dá para ver o estado de abandono da piscina que só guarda água da chuva e lixo. Ali, Amália nadava ao mesmo tempo que olhava o mar em frente, sem qualquer obstáculo de permeio. Portadas e vidros das janelas e de uma galeria que dá acesso a uma das entradas da casa estão danificadas ou partidas. A ferrugem tomou conta das estruturas metálicas e a humidade já fez desaparecer boa parte a pintura branca exterior. As cadeiras de repouso, num patamar sobranceiro à piscina, apodreceram. Cortinados escuros impedem que se veja o interior da habitação. Mas "está na mesma, cheio de bolor e de manchas de humidade", lamenta-se uma das pessoas que testemunhou ao PÚBLICO a observação que faz da casa da mulher cujos restos mortais estão no Panteão Nacional.
Um olhar pelo interior da quinta só permite ver um denso pinhal, muita lenha amontoada e uma alameda que dá acesso à moradia, que não se vê da entrada. Não aparece ninguém. O marulhar de água, vindo de um denso matagal leva à descoberta de um caminho para o que toda a gente identifica como a praia de Amália. Percorrer cerca de uma centena de metros por entre o arvoredo revela como é encantador o espaço escolhido por Amália Rodrigues para recobrar forças de uma carreira exigente e cansativa.
O percurso termina no alto da falésia de onde se vislumbra um enquadramento soberbo do azul do mar e da praia do Carvalhal, mas conhecida como "da Amália". Naquele lugar a natureza está praticamente intacta.
Mais acima, a presença de degraus indicia que "a casa da Amália" está próxima, até que aparece uma tabuleta partida: "Cuidado com o cão". De imediato ouve-se o latido de cães e surge uma pequena casa caiada de branco e azul, com imensos malmequeres e girassóis pintados e um friso de azulejos com a palavra "Amália".
A senhora "Chica", amiga e confidente de muitos anos de retiro da fadista, diz que a casa foi onde a cantora passava as suas férias até ser construída nos inícios dos anos 60 do século passado, a casa de maiores dimensões num ponto mais alto, para colher uma visão única da costa alentejana.
Não aparece ninguém apesar da insistência dos animais a anunciar gente estranha.
Mas o depoimento de um dos habitantes do Brejão, revela o mal-estar da população. Contudo, "para evitar complicações", ninguém quer associar o seu nome aos comentários que faz ao estado da casa.
Apenas D.Chica funcionária do Centro de Saúde de S. Teotónio, lembra o dia em que pintou "o primeiro malmequer" com Amália na entrada da quinta. Ainda lá está, o que parece agora um esboço desmaiado de uma pintura que já foi de cores fortes.
A alameda que liga o portão de entrada à residência "era um encanto, repleta que estava de flores", recorda. O contraste com os dias de hoje é desolador. O imenso jardim deu lugar a campo de pasto para as cabras e ovelhas. A falta de manutenção e limpeza da área arborizada da quinta, produziu mato serrado, que Manuel Eduardo, caseiro contratado pela Fundação Amália Rodrigues (FAR) mandou limpar. Acontece que a lenha produzida ficou por recolher porque a fundação ainda não pagou o trabalho. Agora a lenha amontoa-se a revelar um risco permanente de incêndio.
O presidente da FAR, Amadeu Aguiar, é peremptório. " A casa não está degradada". Se alguma coisa não está bem imputa-a ao caseiro pois " é ele que tem de cuidar da quinta e da casa, ventilando-a e limpando-a todos os dias". Sobre a lenha amontoada no pinhal diz que o caseiro "excedeu-se e mandou cortar o mato" sem autorização. Com tal, não há pagamento a fazer. Reconhece contudo, que "a casa precisa de ser pintada".
A função a dar aos nove hectares da quinta e à casa de Amália, permanece uma incógnita. Amadeu Aguiar diz que a fundação já teve uma proposta do Grupo Pestana para lá instalar bungalows. Mas como a quinta está em paisagem protegida, não foi possível avançar com o projecto.

Sugerir correcção