"Não há amuleto que valha numa situação de guerra, só treino e preparação"
Mário Rui de Carvalho, repórter de imagem da CBS, deixou alguns conselhos aos jornalistas portugueses
A lista de conselhos chegou por uma voz portuguesa com sotaque toldado pelos 30 anos de permanência nos Estados Unidos. "Façam cursos de primeiros socorros"; "vão para as urgências do São José observar durante três dias"; "aprendam palavras do país para onde forem - "pára", "olha que eu disparo", "dá cá a cassete" dão muito jeito -; "sejam o menos beligerantes possível se vos apanharem"; "usem câmaras de filmar pequenas e walkie-talkies com GPS".Mário Rui de Carvalho é um dos mais conceituados repórteres de imagem do mundo e desde 1976 que as imagens dos principais conflitos transmitidas pela CBS são captadas através dos seus olhos. A lista das guerras por onde passou é extensa e inclui Líbano, Salvador, Nicarágua, Egipto, Kuwait, Iraque, Ruanda, Angola, Afeganistão, Kosovo. Anteontem, o cameraman foi até à Escola Prática de Engenharia para partilhar as suas experiências (boas e más) com os jornalistas que ali estão a ter formação e com militares, para deixar conselhos e discutir ética e deontologia jornalística. "Não há amuleto que vos valha numa situação de guerra, só treino e preparação", vincou.
Mário Rui prefere a designação "jornalista de combate" e usa-a com orgulho, tanto como aquele com que exibe permanentemente o crachá de Comando, força portuguesa a que pertenceu durante 10 anos e pela qual esteve na guerra colonial. Apresenta-se sempre como português e já se safou de boa por isso. Nota-se que a experiência militar lhe foi fundamental para o gosto e metodologia com que prepara as operações em cenários de conflito. Diz que ainda hoje treina de 15 em 15 dias o mecanismo de colocar a máscara contra ataques biológicos e químicos fornecida pelo exército americano. Afirma que se irá reformar em Outubro, mas o entusiasmo com que fala dos cenários de guerra torna difícil acreditar que vá mesmo bater em retirada.
O operador de câmara assistiu aos exercícios dos colegas de profissão e apontou o dedo ao que lhe pareceu errado - e elogiou o realismo de toda a acção. "Uma câmara, seja de filmar ou fotográfica, é vista como uma arma de gatilho. Deves aproximar-te das pessoas com ela debaixo do braço ou na mão, nunca ao ombro", disse. "Quando houve tiroteio, vi quatro jornalistas atrás de um soldado. A primeira atitude é deitarem-se no chão e depois cada um procura o seu soldado; foi isso que vos recomendaram. E metam na cabeça: os soldados estão treinados, os jornalistas não. Usem o soldado como escudo, fiquem atrás dele, do lado esquerdo [por causa dos cartuchos quentes]". Para que o jornalista não seja um alvo fácil defende que se vista igual aos militares, sem dísticos. Maria Lopes
Os jornalistas do grupo Impresa fizeram a formação como se estivessem embedded (inseridos) num grupo de militares em cenário de guerra. A situação serve as duas partes: uns querem ter acesso mais directo à informação (ainda que só tenham um dos lados), outros querem divulgar parte da sua actividade e mostrar que os jornalistas só estão seguros com os militares. Mas há muitos pontos de conflito. Entre as regras de funcionamento na fictícia Pefortur, a mais polémica obrigava ao controlo prévio pelos militares de todos os conteúdos enviados para as redacções. A discussão sobre censura estalou.
"O jornalismo embedded levanta problemas éticos e de relacionamento: é excessivo e inadmissível controlar todos os conteúdos. Não faz sentido revelar a posição ou a estratégia das tropas, mas não poder falar sobre baixas é um exagero. A guerra é real e faz mortos", diz o jornalista da Visão João Dias Miguel, único do grupo com experiência.
"Não acredito que o Exército português nos exigisse isso numa situação real. Os Estados Unidos são sempre parte activa nas guerras, com eles talvez faça sentido", afirma Clara de Sousa. Outro jornalista da SIC, Bernardo Ferrão, acredita que o controlo é difícil devido à "tecnologia ao dispor dos media, que transforma a guerra numa novela com episódios diários".