Raquel Maria Morreu a actriz "fundamental" da Cornucópia

Luís Miguel Cintra, que a escolheu para o elenco inicial da companhia, realça "um grande talento espontâneo"

O nome completo era Raquel Maria Cabrita dos Santos, mas o teatro e a televisão tornaram a actriz conhecida pelos nomes próprios, Raquel Maria. Morreu ontem de manhã, em Lisboa, aos 60 anos, de cancro. Nasceu em Castro Verde (Alentejo), a 18 de Maio de 1946, mas viveu desde muito cedo no Barreiro, para onde os pais - ele barbeiro, ela doméstica - foram viver. O sonho de tirar o curso de Belas-Artes ficou pelo caminho, mas não o gosto pelo teatro amador. O local, o Clube 22 de Novembro, no Barreiro; a peça de estreia, A Ratoeira, de Agatha Christie.
O salto para o teatro profissional dá-se quando o grupo amador põe em cena João Gabriel Borkman, de Ibsen, primeiro na margem sul, depois no lisboeta Capitólio. Aos dois locais foram Luís Miguel Cintra (que conhecera Raquel nas praias da Arrábida) e Jorge Silva Melo, e convidaram-na para integrar o nascente Teatro da Cornucópia, e o elenco da primeira peça, O Misantropo, de Molière, no Teatro Laura Alves.
Luís Miguel Cintra, actor e encenador ainda hoje à frente da Cornucópia, recorda Raquel Maria como "uma actriz com muito gosto para a comédia. Uma actriz extraordinária, cheia de energia e talento". Até finais de 1987, Raquel Maria manteve-se na companhia, e participou em encenações tão importantes como o grande êxito cómico de 1981 (quase um ano em cena) Não se Paga, Não se Paga, de Dario Fo. Cintra considera-a "fundamental nos primeiros anos", não só nos papéis principais que fazia, mas também na "organização" da companhia: "Defendia muito a casa." Era, lembra ainda, "um grande talento espontâneo, sem formação de conservatório".

Do teatro para a televisãoNos seis anos seguintes à saída da Cornucópia, actua no Centro Cultural da Malaposta, Odivelas, onde se destaca no Pranto de Maria Parda, de Gil Vicente. "Quero que a Maria Parda passe por mim com toda a verdade. Não em termos de ser bem ou mal interpretada, mas com a verdade de Raquel Maria, actriz e mulher", afirmou em 1991.
Segue-se a fase da televisão (mas a estreia em TV tinha sido mesmo com João Gabriel Borkman, transmitida em 73 pela RTP), para onde caminha pela mão da actriz Marina Mota, que recorda a "actriz maravilhosa", mas acentua também os momentos marcantes não gravados, nos bastidores.
"Em 1993, tive o privilégio de poder contar com ela em Marina, Marina, a primeira sitcom portuguesa. Quando passámos para a SIC [para o programa Ora Bolas Marina], ela manteve-se no elenco fixo."
Marina Mota refere ainda outra faceta, menos conhecida, de Raquel Maria, e que bate certo com o curso não conseguido de Belas-Artes: desenhava, gravuras, esculpia, em barro, em pedra. "Não fazia alarde [desta faceta], mas tinha um grande talento para pintura."
Ao longo dos anos 90 e já nesta década, continuou essencialmente na televisão, e na área humorística. Exemplos: Malucos do Riso ou Não Há Pai. Nesta última sitcom, transmitida pela SIC, encontrou actores de uma geração mais jovem, como Patrícia Tavares e Jorge Mourato, que se refere a Raquel Maria destacando os termos generosidade e simplicidade. "Actuar com ela enriqueceu-me. Ensinou-me a ter paciência, e principalmente a ser generoso quando se contracena", afirma Jorge Mourato.
O corpo da actriz está em câmara ardente na Igreja de Santa Maria, no Barreiro, onde hoje às 16h, após missa, o funeral segue para o Cemitério de Vila Chã. Ficará aí aquela que definia assim a profissão de actor: "É a profissão mais cruel e desumana, mas também a mais apaixonante."

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