Dez retratos do Rivoli enquanto espaço público

O futuro do Teatro Rivoli é, para já, incerto: sabe-se que será privatizado, por decisão da Câmara do Porto, mas o detentor da concessão do espaço é ainda uma incógnita. Já o passado, é conhecido e traduz-se em inúmeros ciclos, espectáculos e festivais ali realizados desde 1997. Aqui fica o resumo possível de dez momentos importantes da casa gerida pela Culturporto.

Teatro Janeiro de 1998

A Tragédia de Coriolano

de William ShakespeareEncenação de Jorge Silva Melo
A Tragédia de Coriolano foi a primeira produção de raiz da Culturporto, em regime de parceria com o Ensemble e os Artistas Unidos. O espectáculo resultou de uma proposta de Isabel Alves Costa ao encenador Jorge Silva Melo - que respondeu ao desafio de ocupar o grande palco do Teatro Rivoli escolhendo como texto dramatúrgico a última tragédia escrita por Shakespeare (provavelmente em 1608). É um regresso à Roma antiga (ou, mais precisamente, um pretexto para dirigir-se aos ingleses em pleno período elisabetano), com direito a batalhas com espadas de latão e discussões acaloradas ao melhor estilo do senado romano. A tragédia inspirada em Plutarco narra a saga de um general astuto que não mede esforços para alcançar os seus objectivos - neste caso, a tomada de Roma. Em síntese, nas palavras de Silva Melo: "Um espectáculo em que olhámos para trás e sentimos uma romanesca nostalgia por uma sociedade que podia pensar a poesia, acção, drama, filosofia e política nos seus espaços públicos". No elenco estavam nomes como Miguel Borges, António Capelo, António Durães e João Pedro Vaz. Este actor foi seleccionado em 1997 para participar em A Libertação de Prometeu, de Heiner Müller, um concerto cénico de Heiner Goebbels também no Rivoli.
Música
Março de 1998

Goran Bregovic Ensemble

Inserido no Ciclo Trilhos Ciganos, cujo programa propunha o cruzamento do cinema, da fotografia e da dança com a música para celebrar a cultura dos povos nómadas, o concerto da Goran Bregovic Wedding and Funeral Band mostrou aos portuenses uma obra que não se limita às bandas sonoras dos filmes de Emir Kusturica. É claro que muitos dos espectadores estavam à espera do imaginário musical de O Tempo dos Ciganos, Underground ou Arizona Dream. Não se desiludiram com os artistas de Sarajevo. É que, além dos momentos "ah-esta-música-é-daquele-filme", também tiveram oportunidade de conhecer o trabalho de apropriação criativa do folclore dos Balcãs, um trabalho social em colaboração com ciganos do Sul da Sérvia, do Norte da Macedónia e da Bósnia. Trabalho valioso não só pelo que dele resulta - o sopro de vida na tradição musical cigana, marcada pela estrutura de orquestra de metais -, mas sobretudo pelo que possibilita. A saber: encontro, partilha e convivência com o outro. Bregovic regressou ao Porto em Junho de 2002 (ver foto), quando se apresentou no Palácio de Cristal com produção da Culturporto.

Cinema Dezembro de 1998

Manoel de Oliveira 90 anos

Por ocasião do nonagésimo aniversário do autor de Aniki-Bobó (1932), a Culturporto e a Cinemateca Portuguesa organizaram uma homenagem nacional a Manoel de Oliveira. O Teatro Rivoli exibiu onze filmes do cineasta portuense, entre eles documentários considerados perdidos mas, entretanto, recuperados pela própria Cinemateca - Hulha Branca (1932) e Em Portugal já se Fabricam Automóveis (1938). Também houve lugar para uma festa propriamente dita, no dia 11 de Novembro, com direito a bolo e sopro de velinhas. Música
Janeiro de 1999

AfinidadesClã e Sérgio Godinho

A cumplicidade entre Sérgio Godinho e a banda de Manuela Azevedo começou num projecto da Expo "98, chamado Afinidades. A amizade em palco viajou depois de Lisboa até ao Porto. Foi assim que o grande auditório do Rivoli recebeu versões de músicas de Godinho e dos Clã, assim como canções de outros autores. "Ensaiámos à tarde, ensaiámos à noite. Pelo meio fomos jantar. E depois, até amanhã. Tudo muito simples, portanto. Assim fosse o mundo", escreveu Sérgio Godinho no texto de apresentação do espectáculo no Rivoli.Música
Fevereiro de 1999

Mathias Goerne

O Ciclo Almeida Garrett e Romantismo Musical trouxe ao Porto o barítono alemão Mathias Goerne, acompanhado do piano de Eric Schneider, com quem havia gravado na altura o álbum Hollywood Liederbuch, de Hanns Eisler, com o selo Decca/Londres (detentora do contrato de exclusividade de Goerne). O recital no Rivoli incluía Schubert, Sedl, Rellstab e Heine no programa. Dança
Novembro de 1999

Iets op Bach

de Alain Platel, pelos Les Ballets C. de la B.

Conhecido dos portugueses pelas suas actuações no Acarte, na Culturgest e no Centro Cultural de Belém, o coreógrafo flamengo Alain Platel também touxe há sete anos ao Porto o espectáculo Iets op Bach, cuja estreia nacional teve lugar no CCB, em Lisboa. A sua companhia, Les Ballets C. de la B., levava então ao palco um espectáculo com nove bailarinos inspirados por Bach, tocado ao vivo por nove músicos. O elenco contava com dois adolescentes, à semelhança do seu (irrepreensível) trabalho anterior La Tristeza Complice.

Dança
Janeiro de 2000

Tritonde Philippe Decouflé, pela DCA

A aposta no novo circo foi outra das marcas da programação do Teatro Rivoli. No limite entre a dança e o universo circense, o coreógrafo Philippe Decouflé criou para Triton personagens insondáveis numa arena onde tudo o que é improvável pode acontecer - a começar pelo "turbilhão colorido de efeitos e assombros" de que falava a sua própria companhia, a DCA (Decouflé & Complice Associés). O espectáculo, que teve direito a duas reposições, foi acompanhado por três sessões de cinema e vídeo que proporcionavam aos espectadores uma síntese do universo onírico e divertidamente absurdo do criador francês. Dança
Janeiro de 2001

OH! YOU WALK?

de Bill T. Jones

O espectáculo do famoso artista norte-americano funcionou como uma antecâmara para o arranque do Porto 2001 - Capital Europeia da Cultura, oficialmente inaugurado com pompa e circunstância a 13 de Janeiro. Nos três dias anteriores, Bill T. Jones provocou frenesim numa cidade que (procurando esquecer as obras que tornaram caótico o acesso à Baixa) disputava bilhetes, levava a dança contemporânea para as conversas de café e já imaginava quais os espectáculos que veria nos 12 meses seguintes. Era a segunda vez que Bill T. Jones e a Arnie Zane Dance Company pisavam o grande palco do Rivoli: em Novembro de 1998 já haviam apresentado o espectáculo We set out early... visibility was poor.

Dança
Junho de 2001

Rainforest, Interscape, Pond Way, Biped, Windows

pela Merce Cunningham Dance Company

O coreógrafo que reinventou a dança, nas palavras do russo Mikhail Baryshnikov, inundou a cidade com programas diferentes em três dias consecutivos: Rainforest (1968) e Interscape (2000); Pond Way (1998) com reposição de Interscape e, por fim, Windows (1995) e Biped (1999). Todos eram estreias nacionais. A companhia já havia estado no Porto em 1966, por ocasião de uma digressão europeia, e novamente em 1981 - a Fundação Cunningham registou nos seus arquivos a apresentação "num ginásio", só não se sabe exactamente qual. Há cinco anos, contudo, a localização é mais do que precisa: o grande auditório do Rivoli, dominado por movimentos inspirados por músicas de John Cage, Brian Eno e David Tudor.

Música
Outubro de 2005

Wayne Horvitz & Robin HolcombXV Festival de Jazz do Porto

O Festival de Jazz do Porto é apenas um dos vários eventos anuais que faziam do Teatro Rivoli a sua casa. Por ali já passaram o Festival Internacional de Teatro de Expressão Ibérica (FITEI), o Fantasporto, o Intercéltico... Wayne Horvitz & Robin Holcomb representam aqui o jazz, uma escolha que poderia ter recaído sobre outro artista da longuíssima lista de participantes do Festival de Jazz. Wayne Horvitz já havia estado no auditório portuense, em Janeiro de 2000, no âmbito do ciclo Cinema Mudo, Música ao Vivo. O filme era O Circo, de Charlie Chaplin, acompanhado pela música de autoria de Horvitz, executada ao vivo pelo próprio e por Laura Deluca, Mikhail Schmidt, Doug Wieselman e Robin Holcomb.

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