Projecto A Morte do Artista cria mediatismo inédito no Citemor 2006
Programa anuncia residência artística de autor anónimo que se afirma doente terminal
O programador do Citemor, Armando Valente, e o actor Tiago Rodrigues não garantem que seja tudo tal e qual, mas rejeitam a hipótese de o projecto A Morte do Artista ser um mero golpe publicitário. Incluída no programa do 28.º Festival de Teatro e Dança de Montemor-o-Velho, a decorrer entre amanhã e 12 de Agosto, A Morte do Artista tem sido apresentada como a residência artística de um alegado doente terminal que ali pretende realizar a última obra.Armando Valente conta que até de uma estação de televisão que nunca deu grande atenção ao Citemor lhe telefonaram, a pedir o exclusivo da cobertura do evento, que o festival apresenta assim: "Depois de receber a notícia de que lhe resta pouco tempo de vida, A. desafiou um grupo de pessoas a encerrar-se numa casa e com ele realizar uma residência artística". A sinopse acrescenta que o único ponto de contacto entre a residência, com início a 1 de Agosto, e o exterior será o blogue www.amortedoartista.blogspot.com, onde serão colocados textos e vídeos de A., pseudónimo do autor que não quer ser identificado e a quem é atribuída esta definição do projecto: "É um reality show dos afectos, da amizade, da morte. Daqui resultará a minha última obra. Ainda não sei o que será."
A organização acrescenta que "não há prazo para a apresentação" da obra final, "uma vez que o processo de trabalho termina apenas com a morte do próprio autor".
O projecto conta com a participação dos actores Tiago Rodrigues e Dinarte Branco, do apresentador do programa televisivo A Revolta dos Pastéis de Nata, de Luís Filipe Borges e do guionista Nuno Costa Santos, entre outros. A iniciativa foi já objecto de notícia em vários jornais, que tomaram a descrição do projecto à letra, após terem ouvido o director do Citemor ou actores envolvidos no evento.
Tiago Rodrigues admite já não se sentir muito confortável no projecto, que ainda nem arrancou: "Neste momento, tenho dúvidas, porque vejo a forma como ele está a ser tratado mediaticamente". Considera "essencial" que A. intervenha já com um texto no blogue, para libertar os convidados da pressão constante das perguntas às quais "não podem ou não sabem" responder. Tiago Rodrigues garante que A. é um amigo com um "percurso artístico sólido" que lhe disse ter pouco tempo de vida e desejar rodear-se de pessoas em quem tinha confiança ou cujo trabalho respeitava. "Achei o convite tocante", conta Tiago Rodrigues, convencido de que o resultado da experiência "não será um Big Brother, com câmaras em cima" de A.. O actor diz não poder garantir que A. seja mesmo um doente terminal: "Nunca vi exames clínicos e não é pergunta que se faça a um amigo que nos diz que vai morrer", observa. Mas confia que, "se se tratasse de uma manipulação, isso já teria sido clarificado" por A..
Aposta de riscoArmando Valente afirma ter tido "consciência do risco" de aceitar uma proposta de residência apoiada em "informação tão genérica" como a que lhe foi apresentada por Tiago Rodrigues e Dinarte Branco. Mas recorda que esse é um risco que o Citemor, tradicionalmente interessado nos projectos que fogem aos cânones e ao próprio controlo do autor, está habituado a correr: "Damos carta branca aos criadores e nunca sabemos exactamente qual será o resultado artístico das residências". Quanto à informação difundida pelo Citemor sobre A Morte do Artista, sustenta que o público deve evitar uma "leitura deformada" do programa, que, frisa, não é um "órgão de informação" e até pode ser o primeiro espaço de criação dos artistas.
Armando Valente afirma que o Citemor não foge à polémica, desde que esta diga respeito à intervenção artística, e não ao mero fait-divers. Concorda que A Morte do Artista é um projecto que questiona os limites da programação, da arte e até do próprio jornalismo. E acrescenta que já lhe deram os parabéns por o Citemor ter ousado acolhê-lo.