O Líbano é um confronto entre dois campos

O Hezbollah sairá tanto mais fortalecido quando o Executivo libanês enfraquecido
da ofensiva israelita, diz o analista
da Chatham House Nadim Shehadi.
Por Maria João Guimarães

Nadim Sehahdi é o responsável do programa de Médio Oriente do think-tank britânico Chatham House, especializado no Líbano. É co-autor, com Rosemary Hollis, do livro Lebanon on Hold: Implications for Middle East Peace (1996) ou do artigo Lebanon: Whose country is it anyway? (2005). Shehadi analisou, numa entrevista telefónica ao PÚBLICO, a recente crise no Médio Oriente.O Presidente americano disse que Israel tinha direito de se defender, mas que essa defesa não devia enfraquecer o Governo do Líbano. Quais as consequências do ataque no Executivo libanês?
O Governo libanês estava já fragilizado. Com um ataque como este, fica muito mais. Vinham a decorrer negociações internas, no Líbano, sobre o desarmamento do Hezbollah. Não tinham ainda produzido resultados, agora ainda menos. A política libanesa está completamente paralisada. O argumento do Hezbollah é que é a sua milícia o único elemento de dissuasão frente à ameaça israelita, argumentando que o Governo libanês não tem estratégia de defesa. Um ataque como este, muito agressivo, enfraquece o Governo libanês, que não pode enfrentar o Hezbollah.
O Governo pode cair?
O processo político estava já muito paralisado e isto fará o Governo muito mais fraco e fortalecerá os radicais. Se o Governo cair, será muito difícil sair do impasse político. Agora, não se coloca um cenário semelhante à guerra civil (1975-1990); as divisões actuais são diferentes, já não sobre as linhas sectárias mas em dois campos, um pró e outro anti-síria.
Não há muitos libaneses descontentes com a acção do Hezbollah, que atraiu a ofensiva israelita?
Muitos culpam o Hezbollah, mas com o país sob ataque, ninguém pode falar contra. E culpam mais Israel.
Um libanês, não xiita, disse a um jornalista que o líder do Hezbollah, xeque Nasrallah, é como um irmão travesso, mas ainda assim da família.
A conversa de Israel de que pode assassinar o xeque Nasrallah só aumentará a sua aura.
Ainda assim, o deputado anti-sírio Walid Jumblatt atreveu-se a questionar os motivos do ataque do Hezbollah...
Sim, ele colocou a questão numa perspectiva regional. No fundo, o que temos aqui é o confronto de uma aliança alargada antiamericana e outra pró-americana. O Irão está a negociar o programa nuclear na ONU e em vias de ver a questão no Conselho de Segurança. A Síria está sob pressão - em Setembro vai ser apresentado um novo relatório sobre a morte de Rafiq Hariri [antigo primeiro-ministro libanês]. O Líbano não é apenas uma diversão, é mais do que isso, é um confronto entre os dois campos. Voltámos aos meados dos anos 1980.
Um artigo no Ha"aretz alertava para a possibilidade de a Síria entrar no conflito.
Isso seria um cenário catastrófico. Mas vamos lembrar o que aconteceu nos anos 80: os Estados Unidos tinham um plano para a região - em 1982 havia apoio americano à invasão do Líbano, a ideia de fazer com que o país assinasse um acordo de paz com Israel e isolar a Síria. Mas depois, os americanos tiveram de recuar, após os ataques [de 1983] em que morreram 241 marines. Agora temos uma situação semelhante: os EUA com os planos contra a Síria e Irão, envolvido no Iraque. Mas pode ser que, como nos anos 80, acabem por reconsiderar.
Qual é o papel da Síria?
A Síria joga um papel muito importante. Cria problemas, mas pode ajudar a resolver alguns. Damasco pode tirar vantagens disto - primeiro, cria o caos, depois, pode surgir como quem ajuda a resolver a questão. E tem algumas cartas importantes na mão: a liderança do Hamas em Damasco parece ter mais influência no grupo que raptou o soldado israelita do que a liderança de Gaza. E tem, claro, ascendente sobre o Hezbollah.

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