25 anos de Telectu Os "repetitivos" tornaram-se improvisadores
Vítor Rua e Jorge Lima Barreto dizem que chamarem aos seus sons "música minimal repetitiva" não é hoje mais do que um cliché
O grupo Telectu, que hoje assinala 25 anos de actividade com um concerto na Galeria Zé dos Bois, em Lisboa, ostenta na folha de serviços o facto de ter sido um dos primeiros em Portugal a reivindicar filiação na chamada "música minimal repetitiva". Hoje, é ainda com esse gesto pioneiro que muitos o identificam. Ao dar os seus primeiros passos em 1981 (o primeiro álbum, Ctu Telectu, saiu no ano seguinte), o duo constituído por Jorge Lima Barreto (um professor e teórico musical que no grupo tocava sintetizador) e Vítor Rua (que se destacara como guitarrista e compositor principal na primeira formação dos GNR) semeou alguma estranheza na paisagem musical portuguesa com as suas cascatas de sons hipnóticos e motivos melódicos em espiral directamente tributários das estéticas de Steve Reich, Terry Riley, La Monte Young e outros minimalistas americanos.
Aquele estilo de música não era apenas um código identificador mas uma verdadeira marca ideológica; o próprio Jorge Lima Barreto, actualmente com 57 anos, viria a escrever, numa monografia editada em 1983: "O facto de tocar e escrever sobre música minimal repetitiva coloca-me na vanguarda musical portuguesa."
Além de uma gramática sonora inovadora baseada nas electrónicas e nas distorções de guitarra, o duo desde logo se habituou a juntar imagens à música, usando nos seus concertos vídeos sobretudo elaborados pelo artista plástico António Palolo, que funcionou em muitas circunstâncias como "o terceiro Telectu".
Hoje, na altura de olhar para o passado, Vítor Rua reconheceu ao PÚBLICO que o rótulo da "música minimal repetitiva" foi sobrevivendo à usura do tempo mas hoje não é mais do que um cliché. Em boa verdade, sublinhou o guitarrista, houve alturas em que o grupo enveredou quase em exclusivo por essa estética (sobretudo nos álbuns Off-Off e Rosa Cruz, em 84 e 85) mas, com o tempo, foi mudando o seu discurso até que, a partir de 1987, entrou decididamente numa nova fase. Isto radicou, lembra Vítor Rua, nos contactos cada vez mais frequentes que o grupo foi estabelecendo com artistas estrangeiros no universo da música improvisada; paralelamente, cada um dos dois músicos foi iniciando um percurso de redescoberta das suas vocações, com Rua a diversificar a sua paleta de sons guitarrísticos e Barreto a reorientar-se para o piano, onde, de resto, tinha já desenvolvido com Saheb Sarbib os seus primeiros ensaios na área do free-jazz ainda na década de 70.
Regresso às origensActualmente (e o concerto de logo à noite não será excepção), a atitude Telectu está mais em saborear a execução ao vivo, deixar fluir e rolar os sons. "Improvisar é surpreender-nos a nós próprios. Agora, queremos ser mais rápidos do que a própria sombra, um pouco como o Lucky Luke. Não sabermos num concerto o que vai acontecer nos próximos cinco segundos", comenta Vítor Rua.
Para um grupo que nos últimos anos quase tem erigido como dogma o confronto com outros músicos (contam-se entre os seus cúmplices recorrentes nomes como Elliott Sharp, Jed Barrocal ou Edie Prévost), será uma espécie de "regresso às origens" estarem apenas os dois em palco, para um concerto de 50 minutos sem elementos visuais, apenas com Lima Barreto ao piano e Rua imerso na sua guitarra de oito cordas.
É altamente provável que os sons não correspondam a tipologias e texturas pré-definidas. "Um dos grandes prazeres dos concertos é criarmos abstracções sonoras", comenta Rua, exemplificando com a forma como muitas vezes os instrumentos acústicos soam como artefactos electrónicos ou vice-versa.
Por outro lado, o piano preparado por Lima Barreto pode também ser uma caixinha de surpresas: é o caso da inserção no instrumento de duas pequenas bolas de madeira ligadas por um fio de cinco centímetros e que se vão deslocando e saltando ao longo das cordas do piano, ao sabor dos caprichos do intérprete; esses movimentos são totalmente aleatórios e provocam nuances de timbre que surpreendem quem está a tocar. Ou então introduzir a mão numa luva de cozinha e deixá-la escorregar pelas cordas do piano a fim de produzir um glissando semelhante aos sons da harpa.
Não será desta vez que os Telectu farão o seu "best of". Mas Vítor Rua admite que em breve haja espaço para um concerto onde, através de módulos cronológicos, seja possível recuperar algum do arquivo sonoro que os Telectu foram construindo. Talvez então se possa reescutar o célebre litofone, que Barreto estendia sobre uma tábua de engomar nos primeiros concertos do grupo. Tudo, explicou o músico, para obter um determinado tipo de vibração.