ROTEIRO NOCTURNO É CURTO

Três bares-discoteca com bandeira à porta e um café-bar que não tendo nascido "rosa" é de frequência maioritariamente LGBT. A noite, do Porto, rejuvenesceu. Por Ana Cristina Pereira

Num minúsculo camarim, Vítor maquilha-se, transforma-se na exuberante Natasha Semmynova. No piso inferior, um emaranhado de jovens agita-se ao som de um frenético tecno comercial. O mundo do espectáculo "é uma coisa louca, causa muita dor de cabeça, mas dá grande lucro emocional". Os olhos que observam as performances da dragqueen são cada vez mais novos, mais heterogéneos.São cada vez mais novos os clientes da noite LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transgéneros) do Porto. E há cada vez mais mulheres. Mulheres femininas, mulheres sensuais, a espantar o estereótipo. Sinal dos tempos, interpreta Vítor, já com rosto de Natasha. À medida que o preconceito encolhe - numa sociedade "ainda muito conservadora" - assumir uma orientação sexual não heterossexual torna-se menos difícil. Muitos jovens soltam-se ali, dançam, namoriscam, mas "a sociedade ainda não está preparada"...
Dantes, a noite principiava no Café na Praça. Este fechou - como quase todos os estabelecimentos da galeria comercial Clérigos, que nunca vingou. Dantes, muitos paravam por ali, à hora do jantar ou depois do jantar. E era dali que partiam para os bares GLBT. Agora, que o lugar se encheu de vazio, alguém escreveu com um spray: "Bichonas".
O roteiro, no Porto, é curto, bem curto. Com alguma pedalada, cumpre-se numa única noite. Três bares-discoteca assumidíssimos - o velho Moinho de Vento que por estes dias irá sofrer alguns rearranjos (na Rua Sá Noronha), o Boys"R"Us que já foi Gente Gira (na Rua Barbosa de Castro), e o Pride Bar (na Rua do Bonjardim). E há ainda local um que, não tendo bandeira à porta, conquistou uma clientela dominantemente LGBT: o Café Lusitano (na Rua José Falcão).
Muitos dos velhos clientes do Café na Praça transferiram-se para o Lusitano. As antigas moagens rejuvenesceram para ganhar mesas, espelhos e quadros. O espaço transporta para o início do século XX. Todavia, é a libertação sexual do século XXI que ali se respira.
O novíssimo movimento de bissexuais BI-Portugal faz aqui os seus encontros - à primeira quarta-feira de cada mês, das 20h00 às 24h00. O Lusitano nasceu misto, mas, principalmente à sexta e ao sábado, quem não é LGBT passa por ser, no mínimo, gay friendly. É possível encontrar o rapaz da caixa na casa de banho das mulheres, numa "fuga ao assédio".
Ninguém é expulso do Lusitano se der um beijo a uma pessoa do mesmo sexo e o lugar oferece a hipótese de encobrir algo que possa ser incómodo ou embaraçoso. Os bares "rosa" são espaços de socialização, onde os LGBT podem encontrar "os seus iguais", mas as pessoas "assumem-se quando podem", nota Nuno Carneiro, psicólogo e está a fazer doutoramento sobre construção de identidades LGBT.
Para alguns, explica, frequentar um bar com bandeira à porta pode representar "um risco". Há aquele receio de encontrar um colega de trabalho que o olhe de lado ou que o queira denunciar ao patrão. Nos estabelecimentos de temática gay, tal como nos locais de engate, a visibilidade cresce e com ela a contra-reacção - homofóbica, bifóbica ou transfóbica. E se, de repente, há uma agressão? "Como é que se apresenta queixa? O que é que isto representa no emprego, na família?", questiona.
João Paulo, responsável pelo site Portugal Gay, apercebe-se de um crescimento da clientela heterossexual no Boys"R"Us. No Moinho de Vento a afluência dos chamados gay friendly, ainda que minoritária, também se vislumbra. Entusiasmada com os espectáculos dragqueen e travesti que a casa oferece quando a noite já vai entrada.
Medos à parte, "em qualquer sítio há um mundo gay - é preciso descobri-lo", acredita. No Porto, para além dos bares-discoteca, existem três saunas - Spartacus (Rua do Bonjardim), Thermas (Rua Guedes de Azevedo) e Tipo Sauna (Rua da Conceição). Há quem vá às escondidas, mas também quem "há muitos gays que não se identificam com esta subcultura, que não têm necessidade de frequentar estes sítios, que se mantêm à margem".
Seja como for, o rejuvenescimento da clientela mostra que estes estabelecimentos não perderam sentido. É no Pride que as faixas etárias são mais amplas, mas aqui parece haver também uma certa descida do estrato sócio-económico. Boçais espectáculos de stand-up comedy, como o que houve no passado sábado, talvez contribuam para o afastamento de uma clientela mais exigente...

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