A ovelha Dolly nasceu há dez anos As promessas da clonagem não foram ainda cumpridas
Passada uma década sobre o desenvolvimento da técnica da transferência nuclear, a taxa
de sucesso da clonagem de mamíferos adultos continua a ser muito baixa, e esta área de investigação sofreu um rude golpe com a fraude do sul-coreano Hwang Woo-suk. Por Clara Barata
Uma ovelhinha especial nasceu há dez anos, no Instituto Roslin, perto de Edimburgo. Não tinha pai: foi concebida com um ovócito de uma ovelha e uma célula mamária de outra, fundidas pelos cientistas de uma forma que dava origem a um embrião, sem haver a fertilização de um espermatozóide. Mas havia poucas esperanças de que a ovelha que haveria de se chamar Dolly sobrevivesse ao nascimento. Afinal, dos 277 embriões criados através desta técnica revolucionária, chamada transferência nuclear, nenhum tinha sobrevivido. Ela não só sobreviveu como se tornou uma estrela mundial, e deu origem a uma enorme especulação em torno das possibilidades da clonagem - que, passada uma década, continua a ser mais promessa do que facto.
A sua existência só foi revelada em Fevereiro de 1997, na revista científica Nature: tinha nascido o primeiro mamífero clonado a partir de células adultas. A espantosa ovelha clonada na Escócia era a fotocópia genética de uma ovelha que tinha seis anos quando foram colhidas as células usadas para a criar. Da ovelha que a deu a luz, emprestando um ovócito para implantar o núcleo da célula mamária (só o núcleo porque é lá que se encontra o ADN), a Dolly não tinha nada.
As implicações do nascimento de Dolly, tão apaparicada pelos humanos que até fazia pose para a fotografia - em troca de uns torrões de açúcar -, não foram bem compreendidas. Gerou pânico: falava-se na possibilidade de produzir um exército de clones de Hitler, e um jornal norte-americano sensacionalista disse que ela era carnívora e devorava as suas companheiras de rebanho, refere-se no livro The Second Creation, que conta a história da famosa ovelha usando as palavras do chefe da equipa que a criou (Ian Wilmut) e do cientista que mais trabalhou para a fazer nascer (Keith Campbell), ajudadas pelo escritor de ciência britânico Colin Tudge.
Os cientistas esforçavam-se por fazer passar a mensagem de que um ser que seja a fotocópia genética de outro não tem de ser uma cópia exacta: a educação, as experiências por que cada um passaria produziriam sempre uma criatura diferente. Mas a passagem da mensagem era dificultada por verdadeiros cromos, como o físico Richard Seed, que anunciou que ia montar uma clínica para clonar seres humanos, ou da seita dos raelitas, que acreditavam que os humanos eram clones criados por extraterrestres.
Mas foi a partir de Novembro de 1998, quando duas equipas dos EUA anunciarem ter isolado células estaminais embrionárias e fetais humanas que as expectativas e receios atingiram o auge.
Estas células têm o potencial de se transformarem em todos os tipos de tecidos do organismo. Por isso, os cientistas esperam vir a usá-las em tratamentos para doenças hoje incuráveis, como a diabetes ou a Parkinson, produzindo células que substituam as danificadas. A cereja sobre o bolo seria clonar embriões com o ADN da pessoa doente, para os destruir quando são uma bolinha que cabe na cabeça de um alfinete, e colher as células estaminais, que teriam o seu património genético exacto.
Esta possibilidade, que parece saída de um romance de ficção científica, ligou a clonagem e as células estaminais de forma estreita e causou susto e furor. Moveram-se os países para proibir a clonagem humana nas Nações Unidas, os Presidentes dos EUA Bill Clinton e George W. Bush limitaram a investigação nesta área, e um responsável do Vaticano opinou esta semana que os cientistas que criam embriões para os destruir deviam ser excomungados.
Foram já clonadas uma série de espécies de mamíferos (ratinhos, cavalos, porcos, gatos e cães, entre outros), mas nunca se teve grande sucesso com humanos. Só foi publicada uma experiência em que foram clonados embriões humanos, mas estes apenas sobreviveram durante um ciclo ou dois de replicação celular, e as células estaminais só surgem na fase de blastocisto, a partir de uns seis dias de desenvolvimento. Um grande entrave é a falta de ovócitos, já que as mulheres não correm propriamente para as clínicas para doar as suas células.
Pelo caminho, houve o caso do sul-coreano Hwang Woo-suk, que anunciou ter clonado embriões com o ADN de pacientes que poderiam beneficiar de células novas à sua medida. Mas tudo se veio a revelar uma fraude gigantesca - ainda ontem Hwang admitiu, em tribunal, ter inventado tudo.
Dez anos depois da Dolly - que foi abatida em 2003, porque tinha um cancro nos pulmões, causado por uma infecção viral comum nos ovinos -, a ciência está ainda longe de cumprir as expectativas que gerou. Ian Wilmut, apadrinhado o "Pai da Dolly", acaba de lançar um livro (After Dolly) em que defende a possibilidade de usar a clonagem para criar bebés livres de doenças genéticas. A proposta gerou mais uma vez polémica, mas Wilmut diz que isso só poderá acontecer quando a taxa de sucesso for muito maior do que um a cinco por cento - por ora, continua assim, tal como há dez anos, quando a Dolly foi clonada.