Torturado mundo interior

O ponto de partida para este lacónico olhar sobre a incomunicabilidade e o desespero é um desastre numa plataforma petrolífera, na qual um homem, Josef (dificílima composição de Tim Robbins, em registo minimal), com queimaduras múltiplas e transitória cegueira, se submete a um processo de recuperação com a ajuda de uma enfermeira, Hannah (Sarah Polley), a protagonista, encerrada nas suas memórias e num cerrado mutismo, que a alienara dos colegas da fábrica, em que trabalhava e de todos os seres vivos em geral.

Entre estes dois sobreviventes de catástrofes interiorizadas vai estabelecer-se um protocolo de troca de afectos, sem que qualquer um deles entenda o outro: no diálogo surdo - Hannah usa um aparelho que desliga, quando não suporta a convivência e estabelece contacto com a psicóloga (Julie Christie num rigoroso "cameo") que a ajudou a tentar superar os traumas do passado, ligando para ela e permanecendo silenciosa - vai-se construindo uma comunidade de vencidos da vida, que culmina num "final feliz" pela junção do par e pela criação de uma família, não obstante a dor e o peso das memórias irrecusáveis.

A lentidão de uma ficção de frustrações feita acompanha o compassado presente de um microcosmos de personagens, enclausuradas num casulo de impossibilidades, no meio do mar. O ruído das ondas marca um tempo sem tempo, um triste isolamento num universo de fingimento e depressão: um cozinheiro que ritualiza o vazio, fazendo jantares temáticos para os quais veste t-shirts alusivas ao país cuja culinária experimenta; um macambúzio medidor da intensidade das ondas; um par de homens que partilham as respectivas famílias pela exibição de fotografias e que trocam afectos por absoluta necessidade de colmatar uma solidão arrasadora.

Sem ser particularmente inventivo em termos de realização, "A Vida Secreta das Palavras" consegue conferir a este caleidoscópio de emoções e segredos uma sólida força formal: somos envolvidos no desvelar dos pequenos traumas, acompanhamos o sarar das feridas com a paciência infinita que o filme de nós requer, testemunhas de um tempo transposto para a exposição em carne viva de restos fragmentados da História recente, descodificadores do desejo catártico de exorcizar fantasmas e de falar do indizível. As palavras constituem, de facto, na sua dorida lacunaridade, a razão de ser para continuar a viver: vão-se juntando, como num "puzzle", de forma a fazerem sentidos e a darem corpo à inacção de um conflito diferido no tempo e no espaço. Por isso, esta filigrana residual de gestos e gritos de alma substitui qualquer ensaio de explicar o inexplicável, de justificar o Mal ou o Bem, esvaziados de conteúdos éticos. Vem à mente, por vezes, "Breaking the Waves" de Lars Von Trier, mas o mundo de Coixet está nos antípodas: não há redenções, nem sacrifícios masoquistas; apenas se explora a capacidade para povoar a insustentável solidão de viver, dolorosamente, em conjunto.

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