Coleccionador americano paga valor recorde por retrato de Klimt
Retrato de Adele Bloch-Bauer foi levado pelos nazis e só em Março foi devolvido pela Áustria à sobrinha de Adele. Recorde anterior pertencia a aguarela de Picasso
O retrato da aristocrata Adele Bloch-Bauer, uma obra do pintor austríaco Gustav Klimt que no final dos anos 30 foi saqueada pelo regime nazi, acaba de tornar-se o quadro mais caro de sempre: o original foi comprado pelo valor recorde de 135 milhões de dólares (mais de 105 milhões de euros) pelo magnata dos cosméticos e coleccionador de arte norte-americano Ronald S. Lauder.A obra, conhecida como Adele Bloch-Bauer 1, passará a integrar o espólio da sua Neue Galerie, um museu dedicado à arte germânica e austríaca do século XX sedeado em Nova Iorque (ver caixa). "Esta é a nossa Mona Lisa. Trata-se de uma aquisição única, um negócio que só se faz uma vez na vida", disse o empresário.
A venda foi anunciada na noite de domingo pelo advogado de Maria Altmann, a sobrinha de Adele Bloch-Bauer que há vários anos travava com o governo austríaco uma batalha jurídica para o reconhecimento da propriedade da obra-prima de Klimt. Os detalhes do negócio não foram divulgados, com o advogado E. Randol Schoenberg a confirmar ter-se tratado de uma transacção "complexa", com um contrato de mais de 15 páginas.
Ontem, e apesar das cláusulas de confidencialidade, o jornal New York Times avançou com o valor da venda, uma informação que não foi desmentida. Até agora, o recorde da obra de arte mais cara pertencia a uma aguarela de Pablo Picasso, Rapaz com Cachimbo, vendida por 81,3 milhões de euros pela leiloeira Sotheby em 2004.
O retrato de Adele, um óleo incrustado a ouro, é considerado como uma das peças mais significativas do artista, que foi apontado como amante da aristocrata. Pintado em 1907, foi uma encomenda do marido, Ferdinand Bloch-Bauer, um industrial de açúcares judeu que dispunha ainda de outros quatro quadros do mesmo autor na sua colecção - um segundo retrato da mulher e três paisagens, avaliadas em cerca de 105 milhões de euros, valor agora alcançado apenas com uma das obras.
Adele, que liderava um salão literário em Viena e morreu em 1925, teria manifestado a sua vontade de doar as obras ao museu nacional da Áustria. O marido nunca cumpriu esse desejo, mantendo-as na posse da família. As pinturas seriam roubadas da sua casa de Viena pelos nazis em 1938; Maria Altmann, então uma jovem recém-casada, assistiu à pilhagem antes de escapar para os EUA com outros familiares judeus em fuga das perseguições do regime de Hitler.
"O desejo dos herdeiros era que estas obras pudessem continuar a ser apreciadas e fossem expostas num museu", afirmou ontem Maria Altmann, que em Março deste ano retomou a posse das pinturas de Klimt. Durante quase 60 anos, os cinco quadros da família Bloch-Bauer estiveram à guarda do governo austríaco, expostas na Galeria Belvedere de Viena ao lado do famosíssimo O Beijo de Klimt.
De LA para Nova IorqueOs herdeiros do barão vienense iniciaram a batalha legal para obter a devolução do espólio em 1998 e o caso chegou até ao Supremo tribunal dos EUA, que reconheceu a Maria Altmann o direito às pinturas. O seu advogado começou então um processo de mediação com as autoridades austríacas, acabando por um tribunal arbitral reconhecer os direitos de Maria Altmann. As obras foram enviadas para a América e exibidas no Los Angeles County Museum of Art.
Ontem, o director do museu de arte moderna da Áustria, Rudolf Leopold lamentou que as autoridades do seu país não tivessem investido na recuperação dos quadros. "Se tivessem sido mais hábeis e efectuado outras démarches, talvez a Áustria tivesse conseguido ficar com aquele retrato gratuitamente", criticou. Leopold disse ainda que a venda foi demasiado especulativa e que Ronald S. Lauder pagou um preço demasiado alto.
O director do Los Angeles County Museum of Art, Michael Govan, também estava desiludido por não ter conseguido manter os quadros de Klimt. O museu chegou a considerar a possibilidade de comprar as obras, mas foi ultrapassado pelo empresário e coleccionador de Nova Iorque. "Estou triste por não ficarem em Los Angeles, mas ao mesmo tempo satisfeito pelo facto de poderem continuar a ser vistas num museu americano. Ronald S. Lauder merece os parabéns. A arte tem sido a sua paixão desde os tempos de adolescência, e ele tem dedicado grande parte do seu tempo e recursos na sua celebração", disse ao Los Angeles Times.
Lauder viajou várias vezes para Los Angeles para apreciar as pinturas no museu e para negociar a compra do retrato de Adele. "Para a Maria e para mim, teria sido significativo se a pintura se mantivesse em Los Angeles. Mas Nova Iorque é uma capital artística mundial, e os termos negociados foram os melhores possíveis para ambas as partes", comentou E. Randol Schoenberg.
Os cinco trabalhos de Klimt permanecerão no Los Angeles County Museum of Art até ao final deste mês. A 13 de Julho, a Neue Galerie abrirá ao público uma exposição sobre Gustav Klimt, para exibir o novo e importante retrato da sua colecção. As outras quatro outras obras que ainda pertencem a Maria Altmann viajarão para Nova Iorque a título de empréstimo.
Em 1946, Estée Lauder começou a vender cremes faciais que fabricava numa cozinha de Nova Iorque com a ajuda de um tio especializado em química. Meio século mais tarde, os seus dois filhos gerem um império de cosméticos que está presente em mais de 130 países. Ronald D. Lauder, o presidente do grupo, é o grande responsável pela expansão do negócio da mãe dos cremes aos champôs, maquilhagem e perfume e pela promoção de uma das marcas mais conceituadas do universo da cosmética. Na lista dos homens mais ricos do mundo da revista Forbes, Ronald S. Lauder, de 62 anos, ocupa a 285ª posição. A fonte da sua riqueza, segundo diz a revista, é a herança do negócio fundado pela mãe. Mas o empresário, conhecido também pela sua dedicação ao trabalho filantrópico, tem ainda uma considerável fortuna acumulada em obras de arte que colecciona "obsessivamente". A sua predilecção vai para a arte nova e para o movimento modernista europeu do início do século XX, que pôde apreciar de perto quando desempenhou o cargo de embaixador americano na Áustria, durante a Administração de Ronald Reagan. Ronald S. Lauder é ainda um reconhecido investidor internacional, com comparticipações em várias empresas ligadas a interesses judeus, como por exemplo a Israeli TV. R.S., Washington