Uma janela para a mente de um poeta na Internet
Site norte-americano QuickMuse permite aos leitores assistirem à escrita de poemas por diversos autores em tempo real
Se há arte cujo processo criativo pode ser visto como complexo, e por vezes até imperceptível, essa arte é a poesia. Pela sua liberdade e, consequentemente, pela sua variedade. Imagine-se, então, que seria possível assistir à escrita de um poema por um autor conceituado simplesmente através do ecrã de um computador ligado à Internet. Assistir aos erros, às hesitações, às correcções, às alterações de estrutura e à criação de novos versos. O site QuickMuse (http://www.quickmuse.com), fundado pelos norte-americanos Ken Gordon e Fletcher Moore, mostra aos leitores a escrita de poemas em tempo real por autores como o editor de poesia da revista digital Slate, Robert Pinsky, ou o vencedor do prémio T. S. Eliot em 1994, Paul Muldoon. E tudo em apenas 15 minutos, o limite dado aos escritores para completarem o seu trabalho. Os poemas, uma vez acabados, ficam à disposição de qualquer cibernauta para que este possa entender o processo de criação. Letra a letra, palavra a palavra, os poemas vão surgindo ao lado de um enorme relógio em contagem decrescente, num espaço chamado The Poematic.
A ideia surgiu em Dezembro passado quando, ao ler o livro de Ted Gioia, The Imperfect Act, Ken Gordon deparou com uma questão: como seria a arte do século XX se todas as formas de expressão artística colocassem igual ênfase na improvisação?
Foi no passado dia 17 de Maio que o QuickMuse lançou a sua primeira experiência, com Paul Muldoon e a poetisa Thylias Moss. Tendo como ponto de partida um pequeno texto de uma das maiores figuras da poesia norte-americana do século passado, Elizabeth Bishop, os dois autores foram convidados a escrever sobre a arte poética enquanto "acto desnatural", que "requer grande perícia para que pareça natural". Os resultados foram completamente distanciados um do outro. Enquanto Muldoon, conhecido pela sua escrita densa, escreveu 12 versos sobre o sentido da poesia em si, Thylias Moss discorreu livremente sobre a dor de cabeça que a afectava naquele momento.
Reconhecendo que o QuickMuse não é para todos, Ken Gordon afirmou ao PÚBLICO por e-mail que perto de metade dos poetas convidados recusou o convite para colaborar. Ainda assim, Gordon adianta que o site vai passar a ter eventos mais regulares, acontecendo o próximo já hoje mesmo, com a participação de Marge Piercy e do antigo secretário-geral da Academia Americana de Poetas, Jonathan Galassi.
A outra metade criadora do QuickMuse e responsável pela parte informática, Fletcher Moore, rejeita a hipótese de o computador diminuir a qualidade dos poemas. Moore considera que "a qualidade é independente do meio" e relembra que "Braque e Picasso fizeram arte engenhosa a partir de pedaços de jornais velhos". Para este fundador do projecto, criou-se "uma janela excelente para dentro da mente de um poeta".
"Não é preciso procurar mais além do que E. E. Cummings para ver o que a máquina de escrever fez à poesia e eu gostaria de pensar que existe um e-E. E. Cummings à espera de uma oportunidade para começar a recombinar a arte, digitalmente", explica Moore.