Teste permite conhecer mutação letal do cancro gástrico hereditário
Instituto do Porto usa técnica para confirmar risco de família chinesa portadora da doença. Remoção do estômago é a saída.
Uma nova técnica desenvolvida por investigadores do Instituto de Patologia e Imunologia Molecular da Universidade do Porto (Ipatimup) - capaz de dizer o quão letal poderá ser a mutação responsável por parte dos casos de cancro gástrico hereditário difuso - permitiu identificar o risco que corre uma família chinesa portadora da doença. Este é um dos resultados da colaboração do grupo portuense com a Universidade de Zhengzhou, que serão apresentados no instituto amanhã, a partir das 11 horas, num encontro sobre o diagnóstico e o tratamento dos cancros de esófago e estômago. O cancro gástrico hereditário difuso é uma doença rara, que está associada à mutação do gene responsável pela produção da Caderina-E - uma proteína que funciona como um cimento entre as células, mantendo-as unidas. A falha genética herdada dos pais afecta a produção desta "cola celular", impulsionando a evolução do cancro no estômago nos portadores da mutação. A única solução é prevenir o problema cirurgicamente, extirpando o órgão. A questão é conseguir saber se todas as mutações favorecem a progressão da doença da mesma forma. Os cientistas portuenses já resolveram parte do problema.
A parceria entre China e Portugal só foi possível com o apoio do Instituto do Cancro de Oslo, na Noruega, e da Fundação Oriente, que assegura desde Dezembro de 2005 a estadia do patologista chinês Xiaogang Wen no Porto. O especialista asiático trouxe consigo amostras biológicas da segunda família com a doença identificada no país. Coube às investigadoras Fátima Carneiro e Raquel Seruca estudar a histologia e biologia molecular do material disponibilizado pela Universidade de Zhengzhou, confirmando assim o segundo caso chinês de cancro de tipo difuso.
Gianpaolo Suriano desenvolveu um sistema in vitro que permite demonstrar se a mutação é realmente capaz de desencadear o cancro. "A caracterização funcional das mutações é importante para verificar se os defeitos genéticos são ou não patogénicos", explicou o cientista anteontem ao PÚBLICO. As alterações no gene da Caderina-E podem ser de dois tipos ("truncating" e "missense").
No tipo "truncating", há sempre uma componente patogénica: é tão débil o cimento que deveria unir as células que estas, se fossem tijolos, nunca conseguiriam ser o esboço de um edifício. Já a mutação "missense" permite a expressão de uma proteína completa mas de reduzida qualidade. Como há um ou outro aminoácido defeituoso, a "cola celular" pode não funcionar adequadamente. O teste permite atestar o poder de adesão do tal cimento.
A vantagem deste teste é poder prestar aconselhamento genético com maior segurança às famílias. Se se verificar que a mutação em causa é de tipo "missense" e é patogénica, pode ser oferecida ao paciente - a quem sempre cabe ponderar e decidir livremente - a remoção cirúrgica do estômago. O sistema in vitro já foi aplicado ao material biológico da segunda família chinesa, permitindo verificar que a mutação em causa é patogénica. A informação transmitida por Xiaogang Wen aos clínicos que acompanham estes casos permitirá oferecer-lhes uma alternativa. A investigadora do Ipatimup Carla Oliveira refere que o caso da primeira família chinesa foi descrito há dois anos numa revista asiática, sendo que a mutação em causa era do tipo "truncating".
A maior parte dos casos de cancro de estômago difuso são esporádicos, ou seja, devem-se ao acaso e não à transmissão de pai para filho. Dez por cento dos casos identificados, contudo, têm um histórico de agregação familiar, mas até agora só foi encontrada uma peça do puzzle hereditário: o tal defeito no gene da Caderina-E, uma mutação germinativa presente em um terço das famílias com cancro difuso. Ainda não se conseguiu determinar o diagnóstico molecular dos outros dois terços.