Paul Auster surpreendido por Prémio Príncipe das Astúrias
O autor recebeu a notícia em Portugal, onde está a rodar o seu novo filme, e deu uma conferência de imprensa improvisada nas Azenhas do Mar
Quando acordou, ontem de manhã, o escritor norte-americano Paul Auster não imaginava que iria acabar o dia rodeado de jornalistas, a dar uma conferência de imprensa improvisada para explicar como se sente por ter ganho o Prémio Príncipe das Astúrias das Letras 2006. "Nem sabia que era candidato" de um dos mais importantes prémios espanhóis, confessa. A pacata casa nas Azenhas do Mar, perto de Sintra, onde Auster se encontra a rodar o seu novo filme, The Inner Life of Martin Frost, encheu-se ao final da tarde de jornalistas - alguns dos quais vindos propositadamente de Espanha - para entrevistar o escritor depois de ter sido anunciado que fora ele o vencedor.
"Não penso no meu trabalho de fora. Ele vem do interior. E estou tão profundamente mergulhado nele que geralmente não penso em mais nada senão em escrever a próxima frase", explica Auster, quando lhe pedem para comentar as razões dadas pelo júri. Este justifica a escolha do autor da Triologia de Nova Iorque "pela renovação literária que realizou ao unir o melhor das tradições norte-americana e europeia".
"Com a sua exploração de novos âmbitos da realidade, Auster conseguiu atrair jovens leitores, dando um testemunho esteticamente muito valioso dos problemas individuais e colectivos do nosso tempo", lê-se ainda na acta do júri que atribui o prémio: 50 mil euros em dinheiro e uma escultura de Joan Miró.
A escolha final foi entre Paul Auster e o também norte-americano Philip Roth, que acabou derrotado. Mas antes disso já o júri tinha eliminado todos os outros candidatos - havia ao todo 26 candidaturas de 18 países - entre os quais o português António Lobo Antunes, o angolano Luandino Vieira, o israelita Amoz Oz (que era outro dos favoritos), o albanês Ismail Kadaré, o espanhol Juan Goytisolo, a canadiana Margaret Atwood, o turco Orhan Pamuk.
Paul Auster está bronzeado, com um ar descontraído, de camisa vermelha, calças de ganga e óculos escuros, sentado numa cadeira no jardim da casa onde estará a filmar até ao final da semana, antes de vir para Lisboa, onde filmará, desta vez já em estúdio, durante mais uma semana.
O fim de tarde está magnífico. Encostado a uma das paredes da casa, a ler calmamente, está o actor Michael Imperioli, um dos Sopranos da série televisiva, conhecido também pelo filme Summer of Sam, de Spike Lee. Imperioli é, juntamente com David Thewlis (Naked, de Mike Leigh), a francesa Irène Jacob (Vermelho, de Krzystof Kieslowsky), e Sophie Auster, a filha do realizador, um dos quatro actores de The Inner Life of Martin Frost. O realizador explica mais uma vez que se escolheu Portugal para filmar esta história que se passa na Califórnia foi sobretudo por poder trabalhar com o seu amigo, o produtor Paulo Branco. Além disso, reconhece, "é muito mais barato filmar aqui do que nos Estados Unidos".
O cinema "permite-me sair do quarto"
A história de The Inner Life... nasce de uma parte de uma obra de Auster, O Livro das Ilusões. Aí havia uma personagem de um realizador de cinema que desaparecia misteriosamente e que deixava um filme, chamado precisamente The Inner Life of Martin Frost. O Martin Frost que dá nome à história é um escritor de sucesso que um dia acorda e descobre ao seu lado uma mulher misteriosa, real ou imaginária, que ele pensa ser a sua musa.
Esta co-produção entre Portugal, França e Espanha não é a primeira experiência cinematográfica do escritor. Antes, Paul Auster colaborou com Wayne Wang em Blue in the Face e Smoke (1995), e realizou uma longa-metragem em nome individual, Lulu on the Bridge (1998), onde já entrava a sua filha Sophie, então com 10 anos. Por isso, o júri do prémio ontem anunciado refere também a capacidade de Auster "inovar a narrativa cinematográfica e incorporar na literatura algumas das suas características".
É um escritor cada vez mais tentado pelo cinema? Auster garante que não. "Sou um escritor que ocasionalmente faz filmes. A escrita é o centro do meu trabalho". Para ele são "duas formas diferentes de contar histórias". Sendo que o cinema tem a vantagem de lhe permitir "sair do quarto e trabalhar com pessoas". Embora esta seja só a sua segunda longa-metragem, o realizador acredita que tem já, no cinema, uma linguagem que é reconhecível. "Mas é algo que surge instintivamente", diz. "Embora admire muito outros cineastas, não tento imitar nenhum".
Tudo o que tem a marca Paul Auster, sejam livros ou filmes, faz parte do universo de histórias em que vive mergulhado - ideias e personagens que ele confessa não saber exactamente de onde vêm. "Num momento não estão, e no seguinte estão. E eu sigo-as".
É, por isso, natural que, como acontece com The Inner Life of Martin Frost, filmes nasçam de livros e - quem sabe - livros nasçam de filmes (ou de outros livros). A próxima obra escrita de Paul Auster, com lançamento previsto para Janeiro de 2007, chama-se Travels in Scriptorium - um título que é, curiosamente, o mesmo do segundo romance escrito por Martin Frost, a personagem.