Justiça diz que a Afinsa está em "absoluta insolvência"


Sociedade tinha, em finais de 2004, um défice patrimonial superior a 1,1 mil milhões de euros

A Fiscalia Anti-Corrupção de Espanha considera que a Afinsa, a sociedade de investimento em bens tangíveis - filatelia, arte, numismática e antiguidades - está em "absoluta insolvência". Os responsáveis da empresa são acusados de fraude, falsificação de documentos, lavagem de dinheiro, administração desleal, insolvência punível e fuga de impostos. "Asseguraram aos investidores uma alta rentabilidade pela aquisição e gestão de um fundo filatélico, conseguindo importantes contribuições de pessoas às quais entregaram lotes de selos sobreavaliados, quando não falsos, e quantidades em conceito de juros que não o eram, senão uma parte do metálico recebido dos próprios clientes", refere a Fiscalia em queixa ontem tornada pública. Ao longo das 11 páginas que aqueles serviços encaminharam, em 24 de Abril, para a Audiência Nacional de Madrid, é analisado o modus operandi desta sociedade, cujo presidente de honra, e detentor de 50 por cento do capital, é Alberto Figueiredo, o empresário português radicado em Espanha. Figueiredo está detido desde a passada terça-feira e hoje, quando se cumpre o prazo máximo de 72 horas de prisão, é interrogado pelo juiz Santiago Pedraz.
"Os acusados desenharam um negócio cujo única viabilidade consta em reproduzir ad infinitum a mesma prática fraudulenta aos novos clientes, uma dinâmica que determina que a Afinsa esteja hoje em absoluta insolvência", refere a Fiscalia. "Os selos não se revalorizam ou não o fazem na medida da revalorização prometida ao investidor, o que evidencia que o negócio é, em si mesmo, insustentável." Assim, o cálculo dos inspectores das Finanças situa, a finais de 2004, em mais de 1,1 mil milhões de euros o défice patrimonial da sociedade.
Aliás, naquele ano, os auditores referiram que a sociedade teve um prejuízo de 60,6 milhões de euros pela diferença entre o preço pelo que devia recomprar aos clientes e o valor real do mercado dos selos.
"No momento em que faltem [clientes] substitutos, os selos são o único património com o qual a empresa poderá fazer face aos seus compromissos. É um negócio de tipo piramidal, carente de lógica económica, pois os selos não alcançam o valor dos compromissos assumidos com os clientes", sublinha a investigação da Fiscalia. Neste aspecto, é detalhado que a Afinsa comprava selos ao fornecedor a oito por cento do valor real que constava nos catálogos e depois vendia-os com uma margem de 1150 por cento.
Para além de Alberto Figueiredo, são também acusados Juan António Cano Cuevas, presidente da Afinsa e proprietário de 50 por cento das acções, Carlos de Figueiredo Escribá, filho de Albertino e administrador-delegado, e o administrador Vicente Peña, todos em prisão. Acusado, mas não detido, está Ballester Lopez, director de contabilidade da companhia.
A investigação sobre a Afinsa levou, também, a Francisco Guijarro Lázaro, proprietário de duas empresas filatélicas e, entre 1998 e 2003, o único fornecedor de selos àquela sociedade. Guijarro Lázaro, em cuja moradia, nos arredores de Madrid, foram encontrados escondidos 10 milhões de euros em notas de 500 e pranchas de impressão de selos que estão a ser analisadas pela Casa da Moeda e Selos de Espanha, está também detido.
"Existe um número de selos possivelmente falsos ou manipulados, fornecidos por Guijarro Lázaro à Afinsa", refere a Fiscalia Anti-Corrupção. "Deverá ser apurado se Afinsa se terá apercebido desta possível falsificação, embora não conste reclamação por defeitos de mercadoria", sublinha o documento. "Este facto, unido a que não se justifica uma parte muito significativa das compras e não se conhece o destino último dos pagamentos aos fornecedores, pode considerar-se indiciário da existência de um delito de lavagem de dinheiro."
"Sempre operámos sob a mais estrita legalidade", contestou ontem a Afinsa. Em comunicado, a empresa reiterou uma mensagem de tranquilidade aos seus clientes, afirmou que os delitos que lhe são imputados não têm fundamento e manifesta a esperança de que "a instrução do processo seja rápida para velar pelos interesses de todos os clientes, empregadores, colaboradores e fornecedores".
Também o Fórum Filatélico, que, tal como a Afinsa, está presente em Portugal, é considerado em "clara falência" pela Procuradoria Anti-Corrupção. Era em tudo idêntico o modelo de funcionamento de ambas as sociedades: "Através de importantes contribuições de pessoas às quais foram entregues lotes de selos claramente sobreavaliados e, depois, quantidades em conceito de juros (cinco a seis por cento) que não o eram, mas sim parte do valor em metálico recebido dos próprios clientes", assinala a Fiscalia. Um negócio impossível de manter com a revalorização filatélica e que, para continuar, necessitava da entrada permanente de novos clientes. O clássico mecanismo piramidal. O valor que a empresa atribuía aos seus selos era "13 vezes superior ao do mercado", razão pela qual conseguia que, na maioria dos casos, o cliente não abandonasse o contrato. Segundo os dados da Inspecção de Finanças, o "buraco" financeiro da sociedade era de 2416 milhões de euros em 31 de Dezembro de 2004. As acusações ao Fórum Filatélico são comuns às da Afinsa, à excepção do crime de falsificação de selos. Hoje, o presidente da sociedade, Francisco Briones, e quatro administradores serão interrogados pelo juiz Madraska. Só o último, López Gilarte, está em liberdade.

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