Dreyfus: o caso que há 100 anos assombra a sociedade francesa
O centenário da reabilitação do capitão Alfred Dreyfus, cujas comemorações começam hoje, realça a que ponto a memória do caso Dreyfus assombra ainda hoje a sociedade e a política em França. De simples acto de espionagem, o caso Dreyfus tornou-se num escândalo político tingido de anti-semitismo, e viria a ser uma das crises mais traumáticas da história recente francesa.Alfred Dreyfus era capitão no exército gaulês. Condenado por espionagem em 1894, com base em provas falsas, foi deportado para a prisão da ilha do Diabo, na Guiana. Uma vez descoberta a falsificação dos documentos, a França divide-se em dois campos, num clima de quase guerra civil: os Dreyfusards, que agregam intelectuais, defensores dos direitos do homem e aquilo que começa a ser conhecido pelo "bloco das esquerdas", e os anti-Dreyfusards, em geral de direita, monárquicos e anti-semitas, que tentarão um golpe de Estado, em 1899.
Para o grande rabi de França, Joseph Sitruck, o caso Dreyfus continua a ser "emblemático", um século depois, " de um anti-semitismo que muitas pessoas nunca chegaram a abandonar". As comemorações do centenário da reabilitação do capitão Dreyfus começam hoje, por iniciativa do Consistório Judeu de França, no Supremo Tribunal de Justiça, em Paris. Foi aqui, na mais alta jurisdição da justiça francesa, que foi pronunciada a sentença de reabilitação total e definitiva do capitão Dreyfus, a 12 de Julho de 1906.
O caso Dreyfus começa em Setembro de 1894, com a descoberta de que documentos militares confidenciais estavam a ser transmitidos à Alemanha inimiga. As suspeitas recaem num oficial judeu, Alfred Dreyfus, que será condenado em Dezembro, simplesmente porque a sua escrita se parecia com a do documento encontrado. Mas a família do oficial continua a lutar para provar a sua inocência.
Em 1896, a imprensa reabre o caso, denunciando o cariz suspeito das provas da acusação. Pouco depois, um oficial francês corajoso, o coronel Piquart, descobre o nome do verdadeiro espião - o comandante Esterházy - e denuncia a falsificação das provas. Esterházy será inocentado por um tribunal militar, em 1898, e Piquart é relegado para a Tunísia.
O processo por espionagem degenera em crise política. A Liga do Direitos Humanos é criada nesse ano, em defesa do capitão Dreyfus. O escritor Emile Zola descarta honras e fortuna, para publicar num jornal o seu texto mais famoso: J"accuse - uma carta aberta ao Presidente da República na qual denuncia a negação da justiça feita ao capitão Dreyfus pelo exército, pelos políticos e pelos magistrados.
Zola é condenado a um ano de prisão, e motins violentos assolam Paris e a província durante o seu processo. O caso Dreyfus começa a alimentar ressentimentos duradouros na sociedade francesa. O falsificador dos documentos, o coronel Henry, será desmascarado em 1899. Julgado e condenado de novo pelo exército, o capitão Dreyfus será agraciado pelo Presidente da República em 1899, mas terá de esperar sete anos para ser ilibado e reabilitado. Ana Navarro Pedro, Paris