DANÚBIO Retrato do rio que assusta milhões
Dá o nome a uma escola de pintores do século XVI. Está no centro das atenções dos ambientalistas. "Precisa de espaço."
É conhecido por Danúbio Azul, por causa da valsa de Strauss. Tem a bacia hidrográfica mais internacional do mundo.
Nas últimas semanas inundou centenas de milhares de hectares de terra e obrigou populações inteiras a fugir de casa
Nasce da confluência de dois pequenos rios com origem na Floresta Negra, o Brigach e o Breg, na Alemanha. O Danúbio, segundo maior rio da Europa depois do Volga, já inspirou músicos e pintores, foi testemunha de conflitos e invasões. Marca a paisagem de cidades tão importantes como Ulm, Viena, Bratislava, Belgrado ou Budapeste. Mas nas últimas semanas tem sido notícia por obrigar milhares de pessoas a sair de suas casas, galgar terras aráveis, provocar prejuízos de milhões de euros.Há duas semanas, em alguns locais, o nível das suas águas atingiu o valor mais alto dos últimos 111 anos. Só na Roménia mais de 130 mil hectares de terra cultivada estão submersos e cerca de 15 mil pessoas tiveram de abandonar o lar ameaçadas pelas cheias. O degelo e as chuvas alimentam um caudal que, diz a organização ambientalista World Wildlife Fund (WWF), "precisa de espaço". Um espaço que lhe tem sido roubado.
A raiva do "rio azul" - Danúbio Azul é o nome pela qual é mais conhecida a valsa do austríaco Johann Strauss II, composta em 1867 - já se fez sentir noutras ocasiões. Nos últimos seis anos, as cheias na região fizeram centenas de mortos e causaram estragos pesados em vários países.
O Donau (Danúbio em alemão) ou Duna (húngaro) ou ainda Dunãrea (romeno) - o curso de água passa pela Alemanha, Áustria, Bulgária, Croácia, Hungria, Moldávia, Eslováquia, Roménia, Ucrânia e Sérvia-Montenegro - tem sofrido enormes transformações ao longo dos tempos e algumas não serão alheias aos seus excessos, que agora são notícia.
Só um quinto dos leitosde cheia preservados
Comparando com o que se passava há 150 anos, apenas um quinto dos leitos de cheia naturais da bacia do Danúbio - que têm a função de naturalmente controlar o fluxo das águas e constituem importantes habitats para plantas e animais - continuam preservados, revela a a Comissão Internacional para a Protecção do Rio Danúbio (www.icpd.org).
Muitas destas áreas foram ocupadas por casas e indústrias. E, seguramente, os locais idílicos que no século XVI inspiraram pintores - que constituíram a Escola do Danúbio - serão hoje bem diferentes.
"Na sequência das transformações introduzidas pelo homem, incluindo a construção de canais, diques e barragens, o rio Danúbio perdeu entre 15.000 e 20.000 quilómetros quadrados dos seus leitos de cheia", denuncia também um comunicado emitido esta semana pelo WWF.
Em 2000, os governos da Roménia, Bulgária, Ucrânia e Moldávia assinaram uma declaração para recuperar mais de 200 mil hectares na zona do Baixo Danúbio. Mas é preciso actuar de forma mais rápida, sustenta a organização ambientalista.
6500 m3 de água por segundo rumo ao Mar NegroA WWW não tem dúvidas: as inundações persistentes que tantas dores de cabeça estão a causar são o resultado de uma má gestão das terras ao longo deste gigantesco corredor internacional de água que é responsável por dois terços da água que chega ao Mar Negro. E que nele descarrega em média 6500 metros cúbicos por segundo, de acordo com a International Association for Danube Research (www.iad.gs)
"Quando se perdem as zonas naturais de retenção de águas" nas zonas superiores do rio, "o problema transfere-se para mais abaixo", diz ainda a WWF. Daí que sejam a Roménia, a Sérvia-Montenegro e a Bulgária os países que neste momento estão a braços com os efeitos mais dramáticos das cheias.
Desde o século IX que as comunidades das margens do Danúbio se tentam defender de inundações e se preocupam em melhorar a navegabilidade do rio. Vários sistemas de controlo das águas têm sido erguidos ao longo dos tempos. Mas a WWF insiste e fala da necessidade de traçar uma nova abordagem à gestão do fluxo do rio, "que funcione com a Natureza e não contra ela".
O aproveitamento da corrente para produção de energia eléctrica tem sido igualmente intensivo. Nos seus primeiros mil quilómetros de percurso, o Danúbio é interrompido em média a cada 16 quilómetros: um total de 59 barragens foram construídas nas últimas décadas, refere a Comissão Internacional para a Protecção do Rio Danúbio.
O rio está igualmente sujeito a uma pressão crescente - mais de 81 milhões de pessoas com línguas e culturas distintas partilham a bacia hidrográfica mais internacional do mundo. As suas águas são, com demasiada frequência, o destino final de saneamento de águas residuais, o que afecta o fornecimento de água potável, a rega, a indústria, as pescas, o turismo...
Várias iniciativas ambientais a nível nacional e internacional procuram remediar a degradação ambiental - caso da Convenção sobre a Protecção do Danúbio. E os níveis de algumas substâncias perigosas têm de facto diminuído.
Mas muitos problemas persistem: em 2001, por exemplo, um estudo revelou valores sérios de contaminação do rio e de vários dos seus afluentes por metais pesados.
Linha natural de invasãoda Europa pelo Oriente
Foram os romanos que o baptizaram - Danuvius, chamaram-lhe. Mas antes o rio era conhecido por Ister, o nome que durante o século XII os navegadores gregos lhe deram.
Considerado a linha natural da invasão da Europa pelo Oriente, o Danúbio gozou também de excepcional importância no tráfego comercial ao longo dos tempos. Importância acrescida no século XIX, altura em que começa a ser regulado por comissões de países com interesses nesta via comercial. O tratado de Paris de 1865 institui a livre navegação nas suas águas, sob a fiscalização de vários estados. As regras foram sendo revistas ao longo dos anos.
Actualmente, o Danúbio é um dos principais corredores de transportes transeuropeus - o "corredor VII" dos dez corredores prioritários de transporte da União Europeia e o único fluvial. Por ele passam embarcações com milhões de toneladas de produtos.
Em 1999, os bombardeamentos da NATO fizeram ir pelos ares três pontes de grande tráfego na Sérvia-Montenegro, interrompendo ou desviando transacções no valor de cerca de 1100 milhões de euros, segundo a National Geographic. A navegação foi perturbada naquela região mas recentemente voltou a ser retomada.
Actualmente, o Danúbio está uma vez mais envolto em polémica. O Governo ucraniano lançou em 2004 a construção do canal Bystroye, no Delta do Danúbio - região protegida na Roménia e classificada, desde 1991, como Património Mundial da Unesco. Aqui vivem cisnes, pelicanos brancos, garças reais e muitas outras espécies, algumas das quais raras.
O Governo ucraniano alegou que a construção do canal era fundamental para recuperar a indústria naval do país e criar empregos, mas diversas instituições internacionais - incluindo a União Europeia - criticaram o projecto e apontaram o dedo ao impacto negativo que ele pode ter nos ecossistemas.
Para a WWF, o canal de Bystroye é hoje uma das principais ameaças que o Danúbio enfrenta. O projecto está parado, mas pode ser retomado a qualquer momento. E o rio, zangado, continua a assustar milhões que vivem nas suas margens.