o segundo fôlego do bairro da bouça
Mais de 30 anos depois de ter sido pensado e iniciado, o Bairro da Bouça, no Porto, desenhado por Siza, está pronto. É hoje inaugurada a sua conclusão: às 56 casas antigas, juntam-se 72, um ATL, um café, cinco lojas e estacionamento subterrâneo. Nos últimos dias, fizeram-se sete escrituras e entregaram-se chaves. A chegada dos novos moradores é que vai levar algum tempo: falta ligar a água, a luz, o gás. Por Ana Cristina Gomes (textos) e Fernando Veludo (fotos)
Susana não consegue desfazer o sorriso que tem nos lábios desde que saiu da conservatória com a escritura assinada, a casa paga, as chaves na mão. "Já está", suspirou, após despachar a papelada, selando o feito com um beijo ao namorado. Susana Ferreira, de 30 anos, consultora numa empresa de formação, e Miguel Perfeito, de 32 anos, arquitecto, foram o primeiro casal a celebrar a escritura das novas casas do Bairro da Bouça, na passada quinta-feira. Cumpridas as formalidades, não resistem a dar nova olhadela pela casa. Ele, mais contido, vai olhando de longe. Ela, eufórica, não pára, toca em tudo, como se assim conseguisse ver melhor. Contempla o T3 como quem admira um tesouro, uma paixão: "Estou tão feliz! Mas mesmo feliz! É que estou mesmo contentíssima!".Susana mora na zona de Serralves, Miguel perto da Avenida de França. Daqui por cerca de 15 dias, quando as casas estiverem prontas a ser entregues, com a luz, a água e o gás ligados, vão morar juntos pela primeira vez. Ainda não pensaram em grandes coisas para equipar a casa. "Para já vai ser só o colchão, o frigorífico e essas coisas", atira Susana. É que Miguel desenha móveis, e este apartamento desenhado por Siza Vieira vai ter mobiliário com assinatura Miguel Perfeito. Quando houver verba, explica a namorada.
A jovem, formada em Relações Internacionais, inscreveu-se na lista para as 72 novas casas da Bouça em Agosto de 2003. "Já fui das últimas. Na altura havia 13/15 vagas", recorda. Por isso, resolveu dormir uma noite de domingo para segunda-feira à porta da associação de moradores. "Foi uma excitação, nem tinha visto as casas nem nada", conta, entre risos. Uma parte da noite passou-a dentro do carro. "Depois, por volta das cinco, seis da manhã, começou a aparecer tanta gente que saímos e pusemo-nos em fila. Eu dormi encostada às escadas." As portas abriram às 9h00. Quando chegou a vez de Susana, restavam um T5 e dois T3. Escolheu um dos T3, mesmo sem saber bem ao que ia. Achou, porém, que não podia desperdiçar a oportunidade. "Achei as casas escandalosamente baratas. Por aquele preço, com garagem, com arrumos, na Rua da Boavista...", começa por explicar. Depois houve, claro, o factor S, de Siza. "E porque o bairro era do Siza, porque conhecia outros arquitectos que iam ficar cá, achei que ia ser giro", prossegue.
O namorado, Miguel, assume que nem por ser arquitecto teve um papel preponderante na escolha. "Foi a Susana que resolveu tudo." Admite que lhe agrada morar numa casa desenhada por Siza Vieira, mas acha que era fácil e pouco oneroso tornar os apartamentos bem melhores. Até porque as caixilharias em madeira, por exemplo, vão exigir grande manutenção. De qualquer modo, observa, "há uma série de espaços a que este novo público-alvo vai dar um significado em que ele [Siza Vieira], se calhar, nem tinha pensado". Miguel fala das escadas exteriores nas traseiras, por exemplo, onde já se vê sentado a apreciar um fim de tarde, ou a fumar um cigarro. "Olha, eu adoro!", diz Susana, vinda do nada, frenética, interrompendo as explicações técnicas do namorado. Mais uma vista de olhos à casa, um suspiro e um "pronto, daqui por uns dias mudamos... Estou tão feliz!"