John Ventimiglia, o Soprano cantor
O actor nova-iorquino está em Lisboa a lançar o DVD The Collection, em que é dirigido
pelo português
Bruno de Almeida
John Ventimiglia nasceu em Brooklyn de pais italianos e achou a fama como actor na série Os Sopranos, na pele de Artie Bucco, o mafioso tornado cozinheiro. Bruno de Almeida nasceu em Paris, é português e faz filmes em Nova Iorque. Desde 1996 são amigos, trabalham juntos e estão em Lisboa para lançar em DVD The Collection, uma colectânea de 24 curtas-metragens feitas na cidade norte-americana em formato digital e com um orçamento virtual. E para John cantar algumas das canções que compôs - foi ontem à noite, no Maxime, a sala de que Almeida é sócio com Manuel João Vieira, dos Ena Pá 2000.O encontro deu-se em 1996. Bruno estava a fazer o casting para os dois actores principais da longa-metragem On The Run (Em Fuga). No último dias, após meses e 200 actores, aproximava-se da desistência. E eis que entra John. "Antes de ele ler uma linha, eu já tinha decidido." Era o destino, pois o outro papel tinha sido pensado para Michael Imperioli (agora também Soprano e amigo de Ventimiglia da escola de actores).
Após o casting, e "com um bom feeling" sobre o argumento, John não disse nada ao realizador, mas chegado a casa telefonou a Imperioli, e o acordo foi: "Se tu fizeres, eu também faço." No dia seguinte foram para (muitos) copos e, como diria Humphrey Bogart, foi o começo de uma bela amizade.
Bogart, que era um dos muitos actores que Ventimiglia via na TV em criança. "Gosto imenso de ver filmes, não conseguia dormir, por isso os meus pais deixavam-me ficar acordado a noite toda a ver televisão. Via Humphrey Bogart, e ficava... [de boca aberta]. A minha educação foi essa. Muitos livros, autodidacta. Nada de universidade, fui só a uma escola de actores. Foi aí que conheci muita gente com quem continuo a trabalhar, e a ser amigo."
O grupo de amigos inclui também, por exemplo, Anthony Zaccaro, Drena de Niro ou Michael Buscemi (irmão de Steve, ainda outro Soprano). Não são um grupo organizado e não consideram que façam parte de alguma cena nova-iorquina. "Numa cidade grande como NY há sempre muitos filmes a ser feitos, e muitos grupos a trabalhar sem preocupações de dinheiro", diz o realizador. "E não temos regras organizadas, não é o Dogma!", replica o actor.
Nem sequer têm nome. Ou talvez apenas os Imperfeccionistas, que é o nome de um livro escrito pelo actor Johnny Frey, sobre cinco amigos de férias em Portugal. Relembra Almeida: "Estivemos aqui em 2001 e o John [Ventimiglia] bebeu nove copos de absinto. Perdemo-lo em Óbidos, de braços abertos no alto das muralhas."
Os pequenos filmes de The Collection, que duram entre dois e sete minutos, foram gravados entre 2001 e 2004, e vão do cómico ao grotesco, do calmo ao violento - mas sempre ao inesperado quando duas personagens se encontram. Ou uma se encontra consigo própria. Almeida e Ventimiglia falam sobre as particularidades dos processos. "São todos filmados em Nova Iorque, mas [o tema] é os próprios processos, de como escrever os próprios textos, de se ver os mesmos actores em repetição", diz o actor.
"Sem deadline, sem produtor"
O realizador relembra que "2000 foi uma altura muito específica, as câmaras digitais e a Internet de banda larga explodiram no mercado". "Como o que mais gostava era trabalhar com os actores e desenvolver as personagens, pensei que este [uma câmara digital portátil] era um veículo perfeito", acrescenta Almeida. Por quê? "Não precisamos de dinheiro, podemos fazer o que quisermos à medida que avançamos, sem ideias preconcebidas. O veículo é o processo. Alguém liga às 5 da manhã com uma ideia, eu gosto, telefono a outro e filma-se."
E Ventimiglia desenvolve: "É sobre nós naquele espaço e naquele tempo a fazer o que queremos. Sem ter um deadline, sem ter um produtor, nada. Só nós, uma pequena câmara, filmámos no metro..." Algumas cenas são improvisadas. Por exemplo, em Sleepy Moon John é um compositor de madrugada à janela com uma ideia para uma canção. "O John apareceu um domingo em minha casa com um olho negro e disse: "Tenho um olho negro, vamos usá-lo. Que podemos fazer? Como gosto muito dessa canção [Sleepy Moon] que ele escreveu há muitos anos..."
Ventimiglia é um "homem do Renascimento", como lhe chama Bruno. Compõe música, muito - "folk intimista, escura", avança Almeida. E, mesmo não sabendo escrever em partitura, está a compor uma ópera sobre Kiki de Montparnasse, a amante do fotógrafo Man Ray na Paris dos anos 1920. Ontem, no Maxime, e acompanhado por músicos portugueses, cantou uma dezena dos seus temas originais e duas ou três versões. De Bob Dylan, claro..."