Quase metade das espécies em Portugal está ameaçada
A actualização do Livro Vermelho sobre os Vertebrados que habitam no país, que avalia o estatuto de ameaça que pende sobre as espécies, mostra que a perda de biodiversidade continua elevada. Destruição dos habitats, perseguição humana, doenças ou invasão de espécies exóticas são as maiores ameaças.
O Livro, da responsabilidade do Instituto da Conservação da Natureza (ICN) e que contou com a colaboração de mais 180 especialistas nas diferentes espécies, avaliou, desde 2001, o estatuto de conservação anfíbios e dos peixes de água doce e migradores do continente e dos répteis, aves e mamíferos do país inteiro. Para concluir que Portugal já conta com 19 extinções, 17 das quais de aves.
O esturjão, o urso pardo ou o falcão-da-rainha são alguns desses animais que já desapareceram do território nacional. Mas também há boas notícias. A cabra montês, que era dada como extinta no Livro Vermelho anterior (datado de 1990) reapareceu no Parque Nacional da Peneda-Gerês graças ao esforço galego para o repovoamento da espécie.
Noutros casos, como o da águia-pesqueira, os autores ainda não a consideram extinta como espécie nidificante, não obstante já só exista um macho no Sudoeste alentejano, o que não garante a reprodução. A esperança de que mais cedo ou mais tarde surja uma companheira manteve-a com o estatuto de "criticamente em perigo".
O levantamentoA avaliação do estatuto incidiu sobre 512 espécies de vertebrados, que foram classificadas segundo os critérios estabelecidos pela União Internacional para a Conservação (UICN) em 2001. O facto de se usarem novas formas de avaliação impede que se consiga comparar a evolução da situação desde os últimos Livros Vermelhos, datados do início da década de 90. Porém, segundo Maria João Cabral, que coordenou esta edição, o número de espécies ameaçadas mantém-se semelhante.
Assim, 46 por cento das espécies não têm qualquer estatuto de ameaça e não existe conhecimento suficiente sobre 12 por cento dos animais. Os 42 por cento restantes estão abrangidos pelas três categorias de ameaça (Criticamente em Perigo, Em Perigo e Vulnerável) e também pelo critério Quase Ameaçado.
Houve, porém, evoluções. O esturjão, por exemplo, desapareceu dos rios portugueses. Já o esquilo, que na anterior edição aparecia como "raro", agora é classificado como "pouco preocupante". Isto porque, há 15 anos, a espécie estava a começar a colonizar o continente, vinda de Espanha, tendo agora atingido populações estáveis. Pelo contrário, o sisão, uma ave que não era considerada ameaçada, passou agora ao estatuto de vulnerável.
Estas alterações, adianta Maria João Cabral, prendem-se, nalguns casos, com o aumento de problemas que ameaçam as espécies. Mas nem sempre. "A mudança dos critérios de avaliação e o aumento do conhecimento sobre algumas espécies explicam algumas das mudanças", diz a responsável.
As ameaçasContas feitas, estão em risco 69 por cento dos peixes, 38 por cento das aves, 32 por cento dos répteis, 19 por cento dos anfíbios e 26 por cento dos mamíferos. Porém, ressalva Maria Elisa Oliveira, que coordenou o grupo dos anfíbios e répteis, a situação aparentemente pouco preocupante dos anfíbios pode não traduzir exactamente a realidade: os critérios da UICN "não são fáceis de aplicar nestes casos, pois foram pensados para os grandes mamíferos". Além disso, há algumas populações isoladas, o que aumenta as suas probabilidades de extinção.
De uma forma geral, salientam os autores, os factores que ameaçam a biodiversidade portuguesa são a destruição, a fragmentação ou a deterioração dos habitats. As redes viárias, a urbanização, os incêndios, as barragens no caso dos peixes e as transformações na agricultura explicam esta perda do território essencial para as espécies.
Mas outros factores explicam que 42 por cento das espécies estejam ameaçadas, como a perseguição pelo homem, a invasão de espécies exóticas, as doenças ou os atropelamentos. Ameaças que se têm mantido ao longo dos anos.
Com este Livro Vermelho, salienta Maria Elisa Oliveira, Portugal tenta dar o seu contributo para parar a perda de biodiversidade até 2010, como é objectivo das Nações Unidas. "Porque uma avaliação do estado das espécies permite a tomada de medidas e o Livro dá uma base de conhecimento que facilita a acção", diz.
Porém, nota-se que existe ainda muito desconhecimento sobre algumas espécies, como é o caso de muitos mamíferos, sobretudo morcegos e os animais marinhos.
Para o futuro, recomenda a equipa, há que montar um sistema nacional de monitorização e tentar actualizar os estatutos de conservação das espécies anualmente. Mas ainda há espécies por avaliar, pelo que, diz João Menezes, presidente do ICN, no próximo ano deverão ser concluídos os Livros Vermelhos da flora e dos peixes marinhos. Sem data está o levantamento dos invertebrados.
Esta edição do Livro Vermelho estará nas livrarias em Maio, editada pela Assírio e Alvim, e custará 45 euros.