Fernando Pessoa em formato pop pelo projecto Wordsong

Na sequência do trabalho
com a poesia de Al Berto
em 2002, o Wordsong lança
um livro com CD e DVD
a partir da obra de Pessoa

Pedro d"Orey já tentou imaginar o que pensaria Fernando Pessoa se voltasse a Lisboa neste início de 2006 e visse a transformação dos seus poemas em imagens e música feita pelo projecto Wordsong-Pessoa. "Será que isto poderia fazer algum sentido para ele? Acho que sim, porque Pessoa sempre foi um crítico da normalidade e das simplificações. Teria gostado que alguém chegasse e desse aqui um clarão de outra cor", diz d"Orey, que foi membro fundador dos Mler Ife Dada e faz agora parte do Wordsong.Quatro anos depois de ter lançado o seu primeiro trabalho, inspirado na poesia de Al Berto, o projecto Wordsong - para além de Pedro d"Orey, Alexandre Cortez e Filipe Valentim, ambos dos Rádio Macau, o guitarrista Nuno Grácio, o baterista e percussionista Samuel Palitos, e ainda a artista multimédia Rita Sá - lançou-se agora à obra de Pessoa.
O estatuto de Pessoa na poesia portuguesa não assustou d"Orey. "Quando somos mais novos e estudamos, incorporamos uma série de ideias feitas, de conceitos estabelecidos, mas as coisas não têm que ser necessariamente assim. Temos toda a liberdade de reinventar uma obra como a de Pessoa", diz.
O resultado é, por isso, uma leitura muito própria do Wordsong sobre a poesia de Fernando Pessoa. Rita Sá trabalhou as imagens - fachadas de prédios lisboetas, cores fortes, rostos estilizados, recortes a negro como sombras chinesas, que se transformam como num caleidoscópio de alucinações, oriente, fumadores de ópio, homens de gestos mecânicos, corpos que se decompõem em pedaços.
Alexandre Cortez explica que o trabalho inicial de Rita Sá, que vive em Nova Iorque, os entusiasmou tanto - "a certa altura já não sabíamos se eram as imagens que ilustravam a música se a música que ilustrava as imagens" - que acabaram por decidir editar um DADV, ou seja, um disco com leitura de ambas as faces, CD de um lado e DVD do outro.

"Os poemas têm ilhas dentro"A escolha dos poemas de Pessoa - que inclui alguns dos mais conhecidos, como Opiário e Ode Triunfal, e outros bastante menos conhecidos - foi feita "através de uma forma muito instintiva de ligar a poesia à música", um "buscar a verdade escondida que transcende a própria poesia". "A música precede a escolha do poema", explica d"Orey. Depois cada texto é trabalhado, os versos podem mudar de lugar, ser repetidos, pode ser usada apenas uma parte do que foi escrito por Pessoa, porque, diz o vocalista, "os poemas têm ilhas lá dentro".
Não há no projecto Wordsong-Pessoa uma relação sagrada com o texto. "Isto é um formato pop. É muito difícil adaptar um poema grande a uma música que demora quatro minutos. Por isso não temos muito a preocupação formal". Para o músico, esta linguagem, com a qual esperam divulgar Pessoa junto de um público mais amplo e mais jovem, faz todo o sentido quando "vivemos num sistema entrecortado, com constantes interrupções".
Richard Zenith, investigador da obra de Fernando Pessoa, é um entusiasta do projecto, que acompanhou como consultor. "Os Wordsong, evitando o meramente decorativo ou ilustrativo, criaram um universo musical - e também visual, com os vídeos originalíssimos de Rita Sá - a partir do universo escrito de Pessoa", escreve num texto de apresentação.
"Estamos perante um desdobramento musical e visual da poesia e da poética, da estética e da ética, do grande desdobrador que era Fernando Pessoa", prossegue Zenith, que considera este trabalho "uma lufada de ar fresco" numa altura em que o "Pessoa cliché incessantemente reproduzido - o chapéu, os óculos, os bigodes, a gabardina - em toda a classe de quadros e objectos [...] já enjoa".
O livro, com prefácio e texto sobre Pessoa escritos por Zenith, acompanhado pelo DADV com 12 vídeos dos 16 temas do álbum, é uma co-edição da editora 101 Noites e da Transformadores, e será lançado no final de Maio.

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