Cada vez mais mulheres solteiras e divorciadas emigram para Portugal
Estudo da comissão para a igualdade mostra que peso das mulheres na população estrangeira tem subido e que é comum elas trabalharem mais de 45 horas semanais
No passado, os homens emigravam, eventualmente as mulheres seguiam-nos mais tarde e juntavam-se a eles. Hoje, há cada vez mais estrangeiras a chegar a Portugal. E se muitas ainda vêm mais tarde para juntar-se ao marido, outras acompanham-no desde o início e são "cada vez mais vulgares os processos de migração feminina autónoma, desencadeados por solteiras ou divorciadas". Mesmo que nestes casos também haja a estratégia de sustentar a família deixada na origem ou que também emigra.São conclusões do estudo Mulheres migrantes: percursos laborais e modos de inserção sócio-económica das imigrantes em Portugal, financiado pela Comissão para a Igualdade e para os Direitos das Mulheres e pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia. Foi concluído em Janeiro.
O fenómeno descrito não é apenas português e prende-se com uma razão: há um mercado de trabalho estável que absorve as mulheres e que se tem mantido imune à crise que, nos últimos anos, afectou, por exemplo, a construção civil, explica João Peixoto, coordenador do relatório. "Limpezas domésticas, apoio a crianças, assistência a idosos estão em expansão. Acontece em Portugal, na Espanha, na Itália...", refere.
O estudo analisa diversos dados, nomeadamente do Instituto Nacional de Estatística (INE) e do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF). Foram ainda feitas entrevistas a representantes de 22 instituições que trabalham com a população estrangeira e a 18 imigrantes brasileiras, da Europa de Leste e dos países africanos de língua oficial portuguesa (PALOP) - o objecto principal da pesquisa.
É comum trabalharmais de 45 horas
Alguns dados: cálculos efectuados a partir de dados do INE e do SEF, mostram que em 1995 o peso das mulheres na população estrangeira residente em Portugal era de 41,5 por cento. Em 2000 passou para 43 por cento, em 2001 para 43,8 e em 2002 para 44,4 por cento.
Menor, mas também significativo, é o peso das mulheres entre os imigrantes que foram abrangidos pela concessão de autorizações de permanência em 2001 e 2002: 24 por cento.
Em certos contextos onde as mulheres "têm um estatuto social subalterno", o facto de a emigração tornar central o seu papel na família pode transformá-la numa forma de emancipação. Mas o investigador do Centro de Investigação em Sociologia Económica e das Organizações, da Universidade Técnica de Lisboa, não tem dúvidas: "A imigração feminina pode acabar por ser um presente envenenado, porque as condições que estão associadas ao trabalho feminino imigrante são duríssimas."
Se as mulheres portuguesas têm razões de queixa do seu posicionamento no mercado de trabalho, "as estrangeiras estão pior sob todos os pontos de vista", continua João Peixoto. Apesar de as segundas terem, no geral, níveis de instrução mais altos, ocupam os empregos "não desejados" pelas nacionais, com menores salários, maiores horários "e, na maior parte dos casos, maior precariedade".
Números do último Censos: 23,4 por cento das romenas trabalhadoras por conta de outrém trabalhavam 45 ou mais horas por semana; o mesmo acontecia com 22,6 por cento das ucranianas, 21,2 por cento das brasileiras e 15,6 por cento das africanas. A média nacional (total de todas as mulheres no país) era de 11,3 por cento.
Crise levaráa maior competição?
A questão da desqualificação - diferença entre as qualificações detidas e as tarefas realizadas - é especialmente sublinhada neste estudo. As mulheres africanas e as europeias de Leste são quem trabalha mais vezes no sector da limpeza: 46,3 por cento das provenientes dos PALOP inseria-se em 2001 no grupo socio-económico das trabalhadoras do comércio e serviços não qualificadas, onde se incluem as empregadas de limpeza em casas particulares e empresas. Profissões idênticas tinham 31 por cento das europeias de Leste e 20,9 por cento das brasileiras. Estas últimas, por sua vez, apresentam uma maior concentração relativa nos sub-sectores dos serviços ligados à hotelaria, restauração e comércio. E nas profissões ligadas ao negócio do sexo são também mais frequentes.
No entanto, se "existe maior correspondência entre os níveis de qualificação académica e as profissões desempenhadas" entre as africanas, uma vez que os seus níveis de instrução são generalizadamente baixos, já no caso brasileiro "existe algum desencontro". Os dados dos Censos 2001 indicam que 31 por cento das brasileiras em Portugal dispunham de estudos secundários completos e 18 por cento superiores. Mas o maior nível de desqualificação verifica-se mesmo entre as europeias de Leste: 31 por cento completaram o ensino secundário e 37 por cento o superior.
Apesar destas habilitações, a competição no mercado de trabalho entre portuguesas e estrangeiras não tem existido. No entanto, nota o estudo, "o aumento de situações de desemprego e de pobreza entre mulheres portuguesas pode levá-las a procurar emprego em sectores antes indesejados".
Ainda assim, João Peixoto acredita que "os níveis de tensão vão continuar a ser muito baixos". Porque as estrangeiras fazem as tarefas que permitem às portuguesas continuar a trabalhar - "e a mulher portuguesa não sonha voltar para casa". E porque continuarão a existir "válvulas de segurança", como a emigração dos portugueses para o estrangeiro. É que tarefas pouco apetecíveis em Portugal, e deixadas aos imigrantes, são monetariamente mais compensadoras lá fora. E prova disso é que "o fluxo de portugueses a sair para a Suíça, a Inglaterra, a Holanda... nunca foi interrompido".