Cantata Profana de Giovanna Marini hoje na Guarda

Programa com cantos da Semana Santa da tradição oral do Sul de Itália e composições próprias do grupo da música e compositora

Integrado no Ciclo da Paixão que o Teatro Municipal da Guarda promove este mês a propósito da Páscoa, a cantora, compositora e etnomusicóloga italiana Giovanna Marini e o seu Quarteto Vocal fazem esta noite a estreia em Portugal do espectáculo Cantata Profana, uma produção do Théâtre Vidy-Lausanne E.T.E. O programa inclui cantos da Paixão e da Semana Santa de diversas regiões italianas (Lazio, Sicília e Fabriano, entre outras) e composições da própria Marini.Oriunda de uma família de músicos, Giovanna Marini estudou guitarra clássica no Conservatório de Roma em 1959, tornando-se, mais tarde, aluna de Andres Segóvia. O encontro no início dos anos 60 com um grupo de intelectuais e artistas (entre os quais Pier Paolo Pasolini, Italo Calvino e o etnomusicólogo Diego Carpitella) seria decisivo para uma mudança de rumo no seu percurso artístico, que passou a privilegiar a música tradicional de transmissão oral (sobretudo do Sul de Itália) em detrimento do repertório clássico. Marini participou no Novo Cancioneiro Italiano, transcrevendo textos e música e inventou um sistema de notação. Em 1965 colabora com Dario Fo em projectos como Bella Ciao e Ci ragiono e canto e começa também a compor longas baladas que interpreta acompanhada à guitarra (por exemplo Vi parlo Dell"America, de 1965, e L"eroe, de 1974).
As suas pesquisas em torno da música dos camponeses italianos e das suas formas de interpretação serviu-lhe de inspiração para as suas próprias composições, onde as fronteiras entre a música étnica e a contemporânea se diluem. Da sua admiração por Pasolini nasceu a cantata Partenze, 20 anos depois da morte do cineasta e escritor, que apresentou em Lisboa e no Porto, em Janeiro de 1999. Nessa ocasião, Marini contou numa entrevista ao PÚBLICO (15/01/1999) algumas das suas aspirações: "A minha música pretende retratar os momentos de cultura que ainda não foram contaminados pela sociedade do bem-estar, a música que permanece nas mãos daqueles que vivem a vida de um modo diverso, refutando o nivelamento da indústria cultural".

Recuperar o saber antigoPara interpretar música com estas características, Giovanna Marini fundou em 1976 um quarteto vocal feminino que reúne cantoras com percursos muito diferentes: Patrizia Bovi, especialista no repertório medieval que os melómanos da música antiga reconhecerão como um dos elementos do agrupamento Micrologus; Francesca Breschi, actriz e cantora com ampla experiência de direcção coral, e Patrizia Nasini, que faz sobretudo música contemporânea. A este grupo dedicou obras como Cantata de Correvano coi Carri, Sibémol, Cantata del Secolo Breve ou Cantata Profana, que vai ouvir-se hoje na Guarda.
A recriação da oralidade, "um saber antigo onde a voz é utilizada como testemunho de vida", exige um trabalho especial, diferente do que se realiza com outras formas de expressão. Marini escreve primeiro o texto e a música e depois decora o que escreveu com as suas colegas. "À medida que vamos interiorizando a música, esta vai-se tornando mais humana, começa a fazer parte de nós. É aí que surgem todas aquelas coisas que fazem o estilo da música oral, modificações de cor, de timbre, de altura. Cantamos muito em afinação não temperada, enquanto os cantores clássicos usam a mesma escala que o piano. É necessário unir o conhecimento da música que se estuda no conservatório com o conhecimento que têm os cantores populares, que também é muito profundo. Mas não é música de vanguarda. Não é música artificial. É preciso que a música faça parte da nossa vida."
Foi esta abertura às diferentes manifestações musicais que levou Giovanna Marini a criar a Escola Populare di Musica di Testaccio em 1974. Uma escola muito diferente do conservatório, onde os programas contemplam não só a música clássica, mas também o jazz e a música étnica.

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