Cientistas planeiam construção do maior laser do mundo para fusão nuclear
Equipa internacional está a preparar proposta para criar na Europa uma máquina para testar a fusão nuclear a laser
Numa bolinha de átomos, com alguns milímetros, vão incidir raios laser muito intensos vindos de aparelhos espalhados pelo equivalente a três pavilhões gimnodesportivos. Tanto aparato é para obrigar os átomos de deutério da bolinha, uma forma de hidrogénio, a fundirem-se e assim a imitar na Terra a energia produzida no Sol. Não passa de um sonho, mas cientistas de dez países, incluindo Portugal, preparam uma proposta para que a Europa construa esta máquina para fusão nuclear a laser.Ontem e anteontem, o Grupo de Lasers e Plasmas do Instituto Superior Técnico, em Lisboa, acolheu uma reunião para preparar a proposta relativa aos estudos de concepção do HiPER, o nome daquele que será maior laser do mundo. No total, custará mil milhões de euros, que a equipa espera serem assegurados essencialmente pelo próximo Programa-Quadro de Investigação (2007-2013).
"A proposta será apresentada à Comissão Europeia no âmbito do programa Fórum Estratégico Europeu sobre Infra-Estruturas de Investigação, que pretende estabelecer uma visão de longo termo, pela primeira vez na Europa, para as grandes instalações experimentais europeias. Produzirá um primeiro relatório no Verão de 2006, que incluirá o HiPER como uma das grandes instalações a estudar", conta o físico Luís Oliveira e Silva, coordenador do Grupo de Lasers e Plasmas. Em Setembro de 2005, já tinha dado entrada um esboço do projecto.
"Não o vamos construir só para ter o maior laser do mundo", diz Luís Silva. "Uma motivação é explorar a possibilidade de se fazer fusão nuclear com laser, utilizando uma ideia proposta em meados dos anos 90."
Luís Silva refere-se a uma ideia de Max Tabak, do Laboratório Nacional Lawrence Livermore, nos EUA, de 1994. "Propôs um conceito que se chama fusão inercial rápida. É muito promissor, mas falta demonstrar que funciona em laboratório", explica o físico português. Esse conceito é uma variante da fusão inercial com laser, proposta nos anos 60.
Na fusão inercial à moda antiga, a bola de deutério é submetida à incidência de muitos raios laser. E dá-se a sua compressão, em dois passos: o segundo, o mais forte, origina o que os físicos chamam de ignição. Ou seja, um número de reacções nucleares suficiente para que a energia libertada seja superior à injectada.
É como ter um motor
a diesel ou a gasolina
"Quando a compressão conduz a situações de temperatura e densidade suficientemente elevadas, temos a fusão nuclear. Isso é parecido com o que se passa no Sol. Só que no Sol o que comprime a matéria é a força gravítica. Aqui comprimimo-la com raios laser", explica Luís Silva. "É parecido com os motores a diesel: o gasóleo é comprimido até se dar a ignição do combustível."
Na fusão inercial rápida, à moda moderna, faz-se uma só compressão: "A ideia é comprimir um bocadinho a bolinha de deutério, mas não é preciso comprimir muito. Depois, usamos outro laser mais intenso para lançar um feixe de electrões - uma faísca - para a bolinha", prossegue. "Este feixe de electrões é o equivalente às velas dos motores a gasolina, que lançam uma faísca e causam a ignição, que se espalha a todo o combustível."
A fusão inercial, nas duas versões, é um método alternativo de levar os átomos de hidrogénio a fundirem-se, para formar hélio e libertar enormes quantidades de energia. Uma ou outra estão a ser estudadas no Japão, nos EUA ou em França.
Porém, a abordagem mais avançada de fusão nuclear é a que será seguida pelo Reactor Internacional Termonuclear Experimental (ITER), que será construído, até 2015, em França, e custará dez mil milhões de euros: usa ímanes para confinar uma mistura de deutério e trítio, formas de hidrogénio, cujos núcleos, à medida que são aquecidos e se tornam suficientemente densos, se fundem. Todas as formas de fusão tentam obter energia inesgotável e quase limpa, já que os resíduos perdem radioactividade ao fim de 50 anos, em vez dos milhares de anos das centrais nucleares actuais, que partem o núcleo dos átomos para libertar energia.
"Na actual situação energética, não podemos dar-nos ao luxo de desperdiçar nenhuma ideia potencialmente interessante. E a única forma é testá-la", considera Luís Silva.
Mas usar lasers para obrigar os átomos na Terra a imitar o que lhes acontece nas estrelas, onde a temperatura e a pressão são enormes, não é nada trivial. "É preciso muita energia e a compressão do combustível é tecnologicamente complicada. Pensamos que os requerimentos técnicos para a fusão inercial convencional são mais restritivos do que para a rápida. De algumas experiências feitas, parece que a rápida é uma ideia interessante a explorar."
À espera da igniçãoAlém da ideia de Tabak, avanços na tecnologia dos lasers, no final dos anos 80, permitiram torná-los mais potentes e sonhar com algo como o HiPER. Até agora não pode dizer-se que a fusão por laser resulte: "A ignição não foi atingida. Em todas as experiências, há fusão, mas as reacções nucleares não são suficientes para que a energia libertada seja superior à injectada. No Japão, prevêem atingir a ignição, com fusão inercial rápida, em 2010", conta o físico.
Mesmo nas máquinas de fusão nuclear que não usam lasers, a energia produzida não é superior à gasta - é essa viabilidade que o ITER tentará provar.
Mas o HiPER vai ser capaz de aquecer a bolinha de deutério até dez vezes a temperatura à superfície do Sol (6000 graus Celsius) e comprimi-la até mil vezes a densidade de um metal. Para isto, os feixes laser do HiPER vão ter uma potência total de 200 petawatts, razão por que será 200 vezes mais potente do que o maior laser neste momento (um petawatt são mil biliões de watts). Para gerar tanta potência, é preciso ter vários feixes de luz, amplificá-los e, por fim, focá-los na bolinha. "Virão feixes laser de todos os lados e só a câmara onde se dará a interacção terá 20 metros de diâmetro."
Embora pareça estranho, o HiPER também permitirá fazer astrofísica em laboratório, ao reproduzir as condições no centro das estrelas e dos grandes planetas.