Jogos de lágrimas e de risos

"Breakfast on Pluto" opta, desde o primeiro plano, pelo arrojo de interrogar vários tabus, colocando em cena um travesti (Cillian Murphy em cuidada composição) que, enquanto passeia um bebé num carrinho, responde de forma desbocada aos piropos dos trabalhadores da construção civil que o interpelam. O tom de moderna comédia de costumes instala-se, pois, para logo tudo mudar, revertendo para uma estrutura mais complexa e ambiciosa: uma espécie de saga picaresca, a lembrar o romance inglês do século XVIII, de que "Tom Jones" de Henry Fielding constitui, ainda hoje, o modelo mais conhecido. Aliás, o romance fora objecto, no início dos anos 60 de uma sobrevalorizada e oscarizada adaptação, realizada por Tony Richardson (1963), a "acabar" de vez com as veleidades do chamado "Free Cinema" para modernizar o cinema britânico. Albert Finney, no protagonista, deslocava-se de herói proletário de ficções como "Sábado à Noite, Domingo de Manhã" (Karel Reisz, 1960) para uma abstracção histórica que aspirava a conferir caução séria (e literária) a rocambolescas aventuras sexuais e outras.

O que pode parecer um excurso despropositado serve, às mil maravilhas, para dar conta dos limites representativos de "Breakfast on Pluto", preso, como muito do cinema inglês (ou irlandês, tanto faz), entre as malhas de um duro realismo social e uma espécie de escapismo de luxo, refugiado, como é o caso, no irrisório de uma farsa de disfarces e provocações. A narrativa insiste na divisão em capítulos e, de certo modo como no romance pícaro, inscreve-se a formação do protagonista no contexto dos conflitos fronteiriços entre católicos e protestantes, entre a República e a União.

Os episódios londrinos, em busca da figura da mãe, recobrem esta demanda da identidade do filho de um padre (saborosa a rábula em que a personagem central pergunta como deve-lhe tratá-lo e recebe como resposta a ambiguidade do inglês, "father", em simultâneo, padre e pai), que assume a sua feminilidade e "conta" as suas aventuras e desventuras, num périplo compósito pelas contradições dos anos 60 e 70.

Dizer que se trata de um grande filme é uma impossibilidade: Jordan fica-se quase sempre pela anedota ilustrada, pelo mais rasteiro exibicionismo, mesmo se, subrepticiamente, vai introduzindo questões fulcrais sobre o aborto, o celibato eclesiástico ou a homofobia. Predomina a ligeireza de tom, embora o final construa um epílogo feliz bastante ambíguo. O "kitsch" surge como solução, mas evidencia-se o poder metonímico da fábula, conferindo-se alguma espessura às personagens estereotipadas. No cômputo geral um filme "agradável", simpático, coerente, mas confinado à sua própria estrutura "industrial" de previsibilidade, com as estrelas irlandesas de serviço - Liam Neeson, na figura do padre, ou Stephen Rea num elaborado mágico - a fornecerem o necessário suporte de reconhecimento. Nada de novo, pois, na "frente" irlandesa.

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