Morreu Stanislav Lem, escritor polaco de ficção científica e autor de Solaris
Era o mais conhecido autor de ficção científica em língua não inglesa, mas no final da vida tinha-se distanciado do género
Stanislav Lem, um dos mais populares escritores de ficção científica em língua não inglesa, e autor de Solaris, obra adaptada ao cinema por duas vezes, morreu ontem, aos 84 anos, na Polónia, onde nascera. Em declarações à Associated Press, o seu secretário, Wojciech Zemek, disse apenas que Lem estava internado num hospital de Cracóvia e que morreu de paragem cardíaca "ligada à sua idade avançada". Autor de dezenas de livros traduzidos em 41 línguas (vários em português) e que venderam mais de 27 milhões de exemplares, Lem será lembrado sobretudo por Solaris (1961), que se tornou um clássico da ficção científica da década de 1960, e que foi filmado em 1972 pelo realizador russo Andrei Tarkovski, e em 2002 pelo norte-americano Steven Soderbergh.
Lem não se mostrou muito entusiasmado com nenhuma das adaptações desta história de uma estação espacial sobre o planeta Solaris, onde o único ser vivo é um oceano inteligente que cobre toda a superfície. Um cientista (George Clooney, na versão de Soderbergh) é enviado à estação para perceber o que está por detrás dos colapsos mentais dos que nela vivem, e descobre que o oceano de Solaris é capaz de reproduzir imagens e pessoas vindas do passado dos habitantes da estação. O próprio cientista é confrontado com o "regresso" da sua mulher, que se tinha suicidado.
No seu site (www.lem.pl), o autor escrevia em 2002 sobre o filme de Soderbergh, que conhecia apenas através das críticas que lera: "Alguns críticos, como o do New York Times, dizem que o filme é uma "história de amor" - um romance passado no espaço. [...] Tanto quanto sei, o livro não era dedicado aos problemas eróticos das pessoas no espaço [...] Como autor de Solaris, só quis criar a visão de um encontro humano com algo que certamente existe, de uma forma talvez poderosa, mas que não pode ser reduzido a conceitos, ideias, ou imagens humanas. É por isso que o livro se chama Solaris e não Amor no Espaço." Quanto à adaptação de Tarkovski, Lem achou que era uma versão de "Crime e Castigo no espaço".
O humor era um dos traços da escrita de Stanislav Lem. Sobre a sua infância, escreveu: "Se era uma criança prodígio era apenas aos olhos das tias que me adoravam." Durante essa infância, na Polónia, Lem, filho de um médico, era já um leitor ávido, mas optou pelo curso de Medicina, que foi obrigado a interromper quando começou a II Guerra Mundial. Usando documentos falsos para esconder as suas origens judias, conseguiu evitar os campos de concentração e juntou-se à resistência para combater os alemães.
Foi só no final da guerra que começou a escrever. Os seus grandes temas foram sempre os do desenvolvimento da tecnologia, e da relação desta com os seres humanos, e a incapacidade de comunicação entre a humanidade e civilizações - que podiam ser tão estranhas como o misterioso oceano de Solaris.
O seu primeiro romance importante, de 1948, Hospital of the Transfiguration na versão inglesa, foi censurado pelas autoridades comunistas, mas o regime polaco considerava a ficção científica importante, o que facilitou o trabalho de Lem, que incluía também ensaios filosóficos.
Nas últimas décadas, Lem distanciou-se da ficção científica, género do qual se tornou cada vez mais crítico - em vez de se centrar em problemas e mistérios científicos esta literatura oferecia monstros hostis e fantasias juvenis, dizia.