Produção de guiões para TV nas mãos de quatro empresas
Falta de formação em guionismo é um dos principais problemas do sector, que está a passar por um "bom momento"
O mercado português do guionismo para televisão está a ficar cada vez mais segmentado em áreas de especialização. Há quatro empresas de produção de textos que trabalham preferencialmente uma ou duas áreas e que normalmente estão mais ligadas a um canal de televisão. A Casa da Criação e a Produções Fictícias têm já tradição no mercado, e as outras duas, a Dot Spirit e a ScriptMakers estão a dar apenas os primeiros passos."A realidade televisiva está a mudar e os meios de produção também. Dantes havia produtores poderosos com equipas de guionistas a trabalhar para si", relembra Nuno Artur Silva, responsável pelas Produções Fictícias. Mas agora, adianta ao PÚBLICO, as várias fases do processo de produção de um programa são muitas vezes elaboradas por equipas independentes entre si: uns escrevem, outros produzem.
Além disso, diz, "os canais generalistas estão a tornar-se cada vez mais especializados". A TVI está virada "para o público feminino, jovens e mais idosos, o que gera produções como as novelas". A SIC "está um pouco incaracterística, ainda ninguém sabe o que é. E agora tem uma directora de ficção que encomenda os programas adaptados de formatos espanhóis ao marido [Henrique Dias é sócio da Dot Spirit]. Depois há a RTP que é mais plural e encomenda a toda a gente". Já os canais por cabo, como a SIC Radical, como têm orçamentos muito reduzidos "vivem dos argumentos e de produções de criativos que vêem nesses canais a oportunidade para mostrar os seus trabalhos". É assim com o actual programa Pionés, foi assim com os Gato Fedorento.
Há alguns anos, a televisão de Carnaxide tentou desenvolver uma nova geração de argumentistas, com o projecto SIC Filmes. Uma parte da dúzia de películas teve algum sucesso, mas a iniciativa revelou-se cara demais e foi abandonada.
É incontornável a aproximação a um ou outro canal quando as empresas que escrevem os guiões/argumentos se viram para esta ou aquela área. O carimbo do humor está estampado nas Produções Fictícias, o das novelas não larga a Casa da Criação; e agora o das adaptações de sitcom e novelas parece já ter lugar reservado nas novas Dot Spirit e ScriptMakers.
E os guionistas independentes? Além destas empresas com nítido peso - ou pelo menos com contratos de peso -, há também alguns nomes independentes com tradição no mercado da ficção televisiva como Tó Zé Martinho (que escreveu a actual novela da TVI Dei-te Quase Tudo), Maria João Mira (autora de Fala-me de Amor da TVI), Rosa Lobato Faria (escreveu, por exemplo, Telhados de Vidro, a primeira novela da TVI), ou Manuel Arouca (Jardins Proibidos, Filha do Mar e Baía das Mulheres). Não é erro: todas estas novelas passaram na TVI.
A SIC, por força da sua ligação à Globo, sempre teve novelas brasileiras e os projectos nacionais nunca vingaram nas audiências - como Ganância, de Lúcia Abreu e Francisco Nicholson; Fúria de Viver (uma adaptação); O Olhar da Serpente, de Nicholson e Felícia Cabrita; e O Jogo, de Helena Amaral e Isabel Fraústo.
A época das novelas da RTP, que começou com Vila Faia, de Nicolau Breyner e Francisco Nicholson, em 1982, já lá vai. Desde 2000 só teve três novelas nacionais, todas com maus resultados. A estação pública prefere agora apostar em produções de ficção nacional histórica, como A Ferreirinha, João Semana, e agora Bocage.
O dom da escrita não basta, é preciso técnicaFrancisco Moita Flores é o autor com mais experiência neste tipo de produções de ficção histórica - um nicho que o próprio criou - e considera que o surgimento de duas empresas de guionismo quase em simultâneo "não é uma explosão nem uma expansão do mercado. São movimentos ligados a êxitos de um ou outro autor." Em quase todos os seus projectos, foi ele que escreveu a totalidade dos guiões - o professor (e agora também autarca) escreve nas horas vagas. "O grande mercado são as novelas e o humor. Quando escolhi as séries sabia que estava a fazer restrições ao meu mercado de trabalho, mas eu não quero ser profissional desta área", disse ao PÚBLICO Moita Flores, que na sexta-feira estreia na RTP Quando os Lobos Uivam, uma adaptação de Aquilino Ribeiro.
As Produções Fictícias têm tido trabalho regular por não fazerem depender os argumentistas só da televisão. "Não temos exclusividade com nenhum canal ou produtora, e fornecemos conteúdos para TV, rádio, jornais, teatro", descreve Nuno Artur Silva, para quem "é mais fácil entrar do que manter-se no mercado".
O problema do mercado do guionismo apontado pelos responsáveis das quatro empresas é a falta pessoas que escrevam. Ou pelo menos que escrevam bem. A oferta de formação é muito escassa, ainda que isso não baste. "A formação sobre técnicas de escrita como o tamanho das cenas, das falas ou do ritmo de encadeamento, é fundamental. Mas além do domínio da linguagem da dramaturgia é preciso também o dom da escrita", considera Rui Vilhena, da ScriptMakers.
Embora tenham equipas próprias de guionistas, tanto a Dot Spirit como a ScriptMakers também trabalham com free-lancers. "As nossas equipas são sempre abertas e dependem das características de cada produto", refere Fernando Luís Sampaio, da Dot Spirit. "Não acredito, como guionista, na rotatividade de estilos e por isso não quero que a mesma pessoa escreva uma novela e uma sitcom", disse ao PÚBLICO Rui Vilhena, autor de Ninguém Como Tu, da TVI.
O ritmo de escrita de uma novela pode ser infernal: a Casa da Criação tem agora entre mãos os guiões da terceira série de Morangos com Açúcar e da novela Dei-te Quase Tudo. A equipa dos Morangos tem oito pessoas para produzirem o mesmo número de episódios por semana, ao passo que a da novela de horário nobre é composta por seis guionistas, descreveu Inês Gomes, coordenadora do argumento dos Morangos.