Morreu José Ramos, calou-se a voz off da SIC

Trabalhou na Rádio Comercial e na Rádio Nova, mas foram os 13 anos na SIC que tornaram a sua voz inconfundível

O público em geral não o reconheceria se passasse na rua por aquele "homenzarrão" de ar prazenteiro. Mas decerto olharia na sua direcção se o ouvisse pedir o jornal na banca ou um café na pastelaria. "Esta voz é-me familiar", pensaria, ao escutar José Ramos. Uma voz cheia, com um travo ligeiramente rouco, ora em tom desafiador, ora em tom condescendente. José Ramos, a deliciosa voz off da SIC desde o lançamento da estação de Carnaxide, calou-se ontem para sempre aos 51 anos, vítima de cancro.Os amigos da rádio e da publicidade relembram o seu bom humor, a sua sensibilidade, a sua "grande, enorme e poderosa" voz e não lhe poupam elogios pessoais nem profissionais. "Era um miúdo grande", acrescenta José Carlos Malato, que trabalhou com José Ramos na SIC durante nove anos como copy (redactor) e também como voz off. Considerava-o "o tio mais velho, uma espécie de padrinho" e lembra-se de como a voz de Ramos ecoava no corredor a chamá-lo: "Oh, seu miúdo, venha cá!"
"Eu faço a ponte entre os mais velhos e os mais novos. E ele era sem dúvida uma referência, "a" referência", diz o apresentador, que "escrevia os textos e ia para a cabina de locução só para o ouvir". José Ramos tanto era capaz de gravar as promoções da SIC de uma vez, como podia passar uns bons minutos de volta de uma frase quando não se sentia satisfeito com o resultado. "Ele tinha uma voz muito máscula e chegámos a pregar-lhe partidas, a fazê-lo dizer frases muito femininas na promoção do programa da Fátima Lopes", relembra Malato.
Nascido em Angola, a 18 de Julho de 1954, José Ramos iniciou a carreira profissional no Rádio Clube de Angola. Já em Portugal, trabalhou na Rádio Comercial e na Rádio Nova, no Porto; fez muitas dezenas de anúncios para rádio e televisão; mas foi como voz off da SIC que entrou no ouvido do grande público e se tornou um ícone. Há um ano publicou o livro autobiográfico No Ar - Live on Paper.
Actualmente era um dos "reis da rádio", no programa de crónicas diárias, com o mesmo nome, na Antena 1 - com Júlio Isidro, José Nuno Martins, Jaime Fernandes e João Paulo Guerra. Todos os dias um deles conta uma pequena história divertida da sua vida profissional. O programa termina no final de Março.
"O Zé Ramos fazia tudo à sua dimensão: era um grande homem e tinha grandes amigos. Guardo dele a voz inesquecível, quase única. Não sei se é possível obter a perfeição na voz, mas ele andaria lá muito perto", comenta Jaime Fernandes. O locutor de rádio e também voz da publicidade diz que a voz de José Ramos contribuiu "sem dúvida para a boa imagem da estação".
José Nuno Martins, figura da rádio e da televisão, realça as "extremas qualidades técnicas" da sua voz. O José Ramos "tinha uma velatura especial nas margens da voz (aquela suave rouquidão que a sua voz tinha), e que é o que produz o afecto no ouvinte. E tinha uma enorme plasticidade, uma grande extensão dos graves e uns agudos médios. A dicção era óptima, perfeita: não se perdia uma única sílaba nas suas palavras."
E deixa-lhe um outro elogio, quase, quase com uma pontinha de inveja. "Aquela voz do José Ramos com uma reminiscência rouca sussurrada ao ouvido deveria deixar qualquer mulher derretida." Além disso, como locutor, lembra José Nuno Martins, José Ramos "tinha o magic touch para escolher e encadear músicas, quando a rádio ainda era feita em directo".
José Ramos será "sempre reconhecidamente a voz oficial da SIC", disse o director de programas da estação. "O seu súbito desaparecimento deixa um legado eterno na sua voz profunda, que durante 13 anos de SIC fez, faz e fará parte desta família", salientou Francisco Penim.
O funeral de José Ramos realiza-se hoje pelas 15h30 da Igreja de Santo Condestável para o cemitério dos Olivais.

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