Universo inchou brutalmente nos primeiros instantes de vida
Radiação fóssil do Big Bang confirma que o cosmos passou de um tamanho subatómico para o de uma bola de golfe nas primeiras fracções de segundo
O retrato mais pormenorizado dos primeiros instantes do Universo acaba de ser divulgado. O que lá se vê não é uma fotografia no sentido tradicional, mas medições da luz mais antiga que se consegue ver. Isto permite saber que, antes do primeiro bilionésimo de segundo, o Universo teve um surto de crescimento tão grande que qualquer pai ficaria assustado. Ter inchado de uma forma brutal é uma das principais conclusões das observações do satélite Wilkinson Microwave Anisotropy Probe (WMAP), anunciadas anteontem. O WMAP foi lançado pela NASA, em 2001, para medir a radiação do Universo quando tinha 380 mil anos - a radiação cósmica de fundo, uma relíquia do Big Bang. Hoje, vemos essa radiação como microondas, mas no Universo com 380 mil anos era luz visível, vermelha mesmo. O Universo era então uma criança, mas essa é a radiação (luz) mais antiga que pode observar-se. Antes disso, era tão quente e denso e havia tantos electrões à solta que os fotões não conseguiam viajar livremente, razão por que não chegam até nós. Só quando os electrões se agarraram aos núcleos para formar átomos a luz pôde viajar.
Mas mesmo essa luz de quando o Universo era uma criança pode dizer muito sobre as suas primeiras fracções de segundo, quando tinha acabado de nascer. Esta não é a primeira vez que a radiação cósmica de fundo permite reconstituir o retrato do Universo bebé.
O primeiro foi feito pelo satélite norte-americano Cobe, lançado em 1989 e cujas medições foram notícia mundial em Abril de 1992, porque permitiram perceber por que o Universo é como o vemos.
O Cobe detectou pequeníssimas flutuações na temperatura da radiação cósmica, que correspondem a pequenas flutuações na densidade de matéria. Nos pontos onde, aos 380 mil anos, o Universo tinha mais matéria nasceriam as futuras galáxias. Porque a matéria atrai a matéria. Por isso, quando se olha para os sítios de maior densidade de matéria está a ver-se as sementes das galáxias. Essa radiação foi descoberta em 1964, de forma acidental, por Arno Penzias e Robert Wilson, dos Laboratórios Bell, nos Estados Unidos, e valeu-lhes o Nobel da Física em 1978. Parecia uniforme para onde quer que se olhasse no céu, o que evidenciaria uma distribuição homogénea da matéria nos primeiros momentos do Universo.
Não se conseguiam detectar as pequenas flutuações (não havia tecnologias), mas então como teriam aparecido as estrelas, os planetas, as galáxias? Com o Cobe, viram-se, pela primeira vez, as variações mínimas na radiação e na distribuição da matéria.
Depois do Cobe, houve outras experiências, com balões, que fizeram mapas dessa luz primordial do Universo, mas o WMAP está a permitir construir retratos cada vez mais nítidos.
Em 2003, foram divulgados os primeiros resultados e começou a ter-se ainda mais informação dos primeiros instantes do Universo.
Também se determinou o conteúdo do Universo, quando surgiram as primeiras estrelas, o está a acontecer agora ao cosmos e qual será o seu destino. Em relação aos dados de 2003, há poucas alterações.
Estrelas apareceramaos 400 milhões de anos
Continua a pensar-se que não é constituído principalmente pela matéria que conhecemos e de que somos feitos (os átomos convencionais). Mas tem mais de 20 por cento de matéria escura (não emite luz e quase não interage com a matéria normal, mas sabemos existir pelos efeitos gravíticos na rotação das galáxias) e mais de 70 por cento de energia do vácuo ou energia escura, que funciona como uma força repulsiva e antigravítica, que está a causar uma expansão acelerada. E parece que o destino do Universo é continuar a expandir-se eternamente.
Já em 2003 se tinha determinado com precisão a idade do Universo, que agora é confirmada: é de 13.700 milhões de anos. Uma das novidades é o acerto na data de nascimento das primeiras estrelas: surgiram quando o Universo tinha 400 milhões de anos, e não 200 milhões, como se disse na altura.
Agora, a grande novidade tem a ver com o inchaço inicial do Universo. Segundo a teoria do Big Bang, o Universo começou num ponto e está a expandir-se. E a teoria da expansão inflacionada diz que, logo nas primeiras fracções de segundo, houve uma expansão aceleradíssima.
Os novos dados confirmam assim o modelo inflacionário do Big Bang, proposto há 25 anos por Alan Guth, do Instituto de Tecnologia do Massachusetts, nos EUA (o russo Andrei Linde também chegou a essa ideia, de forma independente, mas não foi o primeiro a publicá-la).
Com essa proposta, pretendia-se resolver problemas da física do Universo primordial. Se o deixássemos evoluir ao longo de 13.700 milhões de anos sem o crescimento rápido inicial, teria agora apenas uns centímetros (cada um de nós não caberia dentro desse Universo...). Mas com aquele momento de inflação, que o fez saltar de um tamanho subatómico para o de uma bola de golfe, chega-se ao tamanho actual.
De forma genérica, tanto o inchaço brusco do Universo como depois o seu abrandamento repentino deixaram uma marca específica na luz. Também o aparecimento das primeiras estrelas afectou os fotões que estavam a viajar pelo Universo. Foram essas marcas que os cientistas analisaram agora em pormenor.
"A inflação foi um conceito fantástico quando foi proposta há 25 anos e agora podemos fundamentá-la com observações reais", disse um dos membros da equipa, Gary Hinshaw, do Centro de Voo Espacial Goddard da NASA.
"Nem me cabe na cabeça que podemos distinguir entre diferentes versões do que aconteceu no primeiro bilionésimo de segundo do Universo", afirmou o principal investigador do WMAP, Charles Bennett, da Universidade de Johns Hopkins.
"Nunca tínhamos sido capazes de compreender a infância do Universo com esta precisão. Parece que o Universo bebé deu um salto de crescimento que alarmaria qualquer pai", acrescentou Bennett.
Guth estava numa conferência nas Caraíbas quando os últimos dados do WMAP foram divulgados. O jornal The New York Times contou que foi visto com um grande sorriso estampado no rosto.