Eduardo Arroyo Um pintor em luta contra o tempo
Aos 69 anos, Eduardo Arroyo expõe pela primeira vez em Lisboa. "Há um momento em que nos damos conta de que o tempo nos vai consumindo e devorando", diz o artista espanhol
Em França foi o ano da vitória estrondosa de De Gaulle. Nos Estados Unidos foi o ano em que Eisenhower começou a ceder caminho a John F. Kennedy. Numa Espanha a mais de uma década e meia do fim da ditadura, 1958 foi o ano da aprovação dos princípios fundamentais do Movimento Nacional do generalíssimo Franco. Acabado de se formar em jornalismo, Eduardo Arroyo, então com 21 anos, marcou a sua oposição ao regime: exilou-se em Paris, num afastamento longo (até 1986) e radical - com proibição de entrar no país até 1976. Politizadas, mas também coloridas e bem humoradas, as caricaturas que começou por fazer pelos bares da capital francesa e as relações com os círculos artísticos foram-no afastando do objectivo de se tornar escritor. Menos de três anos depois, uma primeira exposição individual de pintura anunciava a polémica que marcaria parte importante do seu percurso.
Um conjunto de retratos de figuras militares e eclesiásticas foram o primeiro passo de uma série centrada em ditadores como Hitler, Mussolini e Franco, exposta primeiro na III Bienal de Paris e, depois, em Madrid, numa exposição que acabaria proibida.
A denúncia política, a sátira à cultura popular espanhola e a desmistificação das vanguardas artísticas e dos seus ícones tornar-se-iam nas questões dominantes das suas narrativas pictóricas, uma figuração crítica contaminada pela pop.
O alvo é Marcel Duchamp numa obra como Traje de ministro bajando una escalera (1976), em que um homem de fato e gravata cai de cabeça por uma escada abaixo numa paródia ao fundador Nu descendo a escada (1912). Numa obra como Sama de Langreo (Asturias) (1970), uma tela em que o busto muito branco de uma mulher careca lavada em lágrimas contrasta com um fundo negro, Arroyo alude a um incidente durante o qual a polícia rapou o cabelo à mulher de um mineiro das Astúrias.
"Cada vez sou menos polémico"
Entretanto, o mundo mudou, a Espanha mudou. Eduardo Arroyo também. Aos 69 anos, é ele quem o diz: "Cada vez sou menos polémico. Com a idade fechamo-nos, vemos as coisas com mais distanciamento." Mudou o homem, mudou a obra: "Acho que a partir do momento em que a Espanha mudou, a minha pintura se fez mais intima, mais críptica, mais misteriosa, menos grandiloquente."
Esta semana, o artista a quem o Centro Georges Pompidou dedicou uma retrospectiva em 1982, e que no ano seguinte foi armado Cavaleiro das Artes e das Letras pelo governo francês, esteve em Lisboa para inaugurar uma pequena mostra sua no Museu das Telecomunicações.
São vinte e quatro obras numa sala temporária onde nunca antes se tinha mostrado pintura ou escultura. Mas Arroyo não parecia incomodado. Diz que é uma iniciativa "de amizade", que provavelmente lhe interessa mais a ele próprio do que ao público, e que as exposições são assim mesmo, "ocasiões".
Apesar de ter em preparação várias outras exposições, Arroyo diz também que "há um momento em que nos damos conta de que o tempo nos vai devorando e começamos a querer lutar contra isso, o que nos rouba disponibilidade para o contacto com o mundo fora de nós".
A sua relação com a pintura é que não mudou. Tem a motivação de sempre - "fazer uma grande pintura, a melhor" - e a "angústia" de sempre: "Quando decido que um quadro está acabado, acho sempre que perdi. O quadro ganha sempre e eu perco - é daí que vem a tensão, é aí que está a interrogação."
É em parte por isso que Arroyo escreve, continua a ilustrar e a fazer cenografias para teatro: "Estar agrilhoado a um quadro, como a uma bola de ferro de condenado no tornozelo, não é bom. O quadro usa-nos, destrói-nos. Às vezes precisamos de afastar-nos. Saio da pintura para voltar à pintura."
Artista
plástico
Nascido em Madrid em 1937, posicionou-se contra o regime de Franco e exilou-se em Paris a partir de 1958. O passaporte espanhol foi-lhe tirado em 1974 e devolvido em 1976, depois da morte do ditador, mas ele só voltaria ao seu país uma década mais tarde, quando o Centro Pompidou já lhe tinha dedicado uma retrospectiva e o governo francês o tinha armado Cavaleiro da Ordem das Artes e das Letras. Diz que a sua relação com a pintura é de angústia: "O quadro não é inerte, é um ser vivo e com muita resistência. Enquanto estamos a trabalhar sobre ele, reage, a maior parte das vezes com violência. E vai ganhando terreno. É uma luta desigual."