Gordon Parks Morreu o primeiro grande fotógrafo negro americano
Gordon Parks, o primeiro americano negro a trabalhar como fotógrafo para a revista Life e a realizar um filme de grande produção em Hollywood, The Learning Tree, morreu anteontem na sua casa em Manhattan, aos 93 anos. Também compositor e escritor, Gordon Parks era considerado um ícone pelas suas crónicas sobre a experiência negra na América, escrevia o Washington Post. O USA Today notava, no entanto, que houve uma época em que Parks foi conhecido como o melhor - e durante algum tempo, o único - fotógrafo negro nos Estados Unidos. Mas, na altura da sua morte, era apenas um dos excelentes fotógrafos do século XX.
O seu olhar, acrescentava ainda este jornal, captou opostos: moda e pobreza, celebridades e mudanças sociais, notícias e abstracções contemplativas. Parks abriu ainda caminho para muitos negros como os realizadores Spike Lee e John Singleton, disse uma vez Donald Faulkner, director do New York State Writers Institute, citado pelo New York Times. A sua câmara era a "arma contra a pobreza e o racismo", disse Parks um dia. Retratou também Malcom X, Muhammad Ali, Barbra Streisand, Samuel Barber, Alberto Giacometti...
Ontem, vários jornais caracterizaram-no como um homem da Renascença. Arthur Ollman, director do Museum of Photographic Arts de San Diego, disse ao USA Today que ele "compreendeu os americanos de todas as classes. Sentia-se à vontade com pessoas que nunca tiveram nada e com pessoas que sempre tiveram tudo".
Do seu trabalho, a imprensa americana destacou momentos-chave. A fotografia de Ella Watson, uma mulher da limpeza que trabalhava no edifício da Farm Security Administration, agência criada para produzir documentos históricos sobre as condições sociais e culturais nos EUA, um dos seus primeiros empregos - Parks colocou-a ao lado da bandeira americana com uma vassoura numa mão e uma esfregona na outra e intitulou a fotografia American Gothic, Washington D. C. A foto do rapaz brasileiro da favela, Flávio da Silva, tirada em 1961 quando trabalhava para a Life (onde esteve durante mais de 20 anos), que acabou por juntar um donativo suficiente para ajudar a sua família a construir uma casa. O seu romance semi-autobiográfico, The Learning Tree, que em 1963 se tornou um best-seller, dando origem à versão cinematográfica - o Los Angeles Times dizia que o cineasta John Cassavetes tinha ajudado a que a produtora Warner-Bros o contratasse. O filme Shaft, 1971, responsável pelo primeiro herói negro americano e um sucesso de bilheteira -, ao qual se seguiu Shaft"s Big Score, 1972. O LA Times lembrava que, depois de documentar o movimento do Orgulho Negro nos anos 60, Parks tinha ganho a confiança de organizações como os Panteras Negras e os Black Muslims produzindo fotografias "memoráveis".
Derrubar barreiras"Ele condensou o olhar mundial em que todas as pessoas, apesar das diferenças, têm mais em comum do que aquilo que as separa", disse Tom Bamberger, curador adjunto de fotografia do Milwaukee Art Museum.
Nos anos 80 e 90, Parks abrandou o ritmo de trabalho e gastou muita da sua energia a sistematizar a sua obra, notava o New York Times: em 1987 a New York Public Library e o Ulrich Museum of art organizaram a primeira grande retrospectiva da sua obra. "Sou uma espécie de ave rara", disse em 1997. "Acho que muito disso vem da minha determinação em não deixar que a discriminação me faça parar."
A liberdade, disse, foi o tema do seu trabalho: "Não deixar que ninguém estabeleça barreiras, libertar a imaginação e depois criar novos horizontes."
O mais novo de 15 irmãos nascido numa cidade rural do Kansas escreveu várias autobiografias (A Choice of Weapons, To Smile in Autumn, Voices in the Mirror e Half Past Autumn) e poesia (A Poet and His Camera ou Árias of Silence). Foi ainda compositor e autor do libreto de Martin, um tributo a Martin Luther King.
Entre 1949 e 1950 Parks esteve em Portugal ao serviço da Life, no Estoril, que descreveu como um sítio belo, fotografando tanto a família real espanhola no exílio como a pobreza e o desespero de uma sem-abrigo. "Aqui, estranhamente ligados a uma boa vida estão os pobres. Esfomeados, a viver quase na escuridão, também eles podem ser vistos em festas luxuosas na rua onde os ricos se juntam. Mas estão ali com as palmas das mão viradas para cima a pedir para o pão de todos os dias", escreveu na autobiografia Half Past Autumn.