Imunologista Maria de Sousa homenageada nos 40 anos da sua descoberta mais importante
O seu trabalho
sobre a distribuição dos linfócitos T nos mamíferos ainda hoje influencia os especialistas
Manuel Assunção
Em 1966, Maria de Sousa desempenhou um papel decisivo numa descoberta que se revelou fundamental para as áreas da imunologia e da patologia, referente à distribuição de linfócitos T nos órgãos linfóides dos mamíferos. Ontem, na passagem do 40.º aniversário sobre essa descoberta, a cientista portuguesa foi homenageada durante um simpósio no Instituto de Biologia Molecular e Celular (IBMC) da Universidade do Porto. "A descoberta teve um impacto enorme a nível internacional, suficiente para continuar a ser estudado geração após geração. E conseguiu estimular uma série de gente para trabalhar nessa área", sublinhou Alexandre Quintanilha, director do IBMC.
O trabalho foi publicado em dois artigos - o primeiro teve já 574 citações e o segundo 94. A descoberta propriamente dita foi a de que linfócitos (um tipo de glóbulos brancos do sistema imunitário) diferentes têm áreas de localização diferentes nos gânglios linfáticos.
Foi realizada quando Maria Ângela de Sousa (nascida em Lisboa, a 17 de Outubro de 1939) integrava os Laboratórios de Biologia Experimental em Mill Hill, em Londres, sob a direcção de Delphine Parrott.
A carreira de um dos grandes nomes da ciência portuguesa foi, a propósito, cumprida em grande parte no estrangeiro. Formada pela Faculdade de Medicina de Lisboa, foi depois leitora de imunologia na Universidade de Glasgow (Escócia), onde também se doutorou. É membro associado do Instituto de Investigação do Cancro Sloan Kettering, e professora associada na Cornell Medical School , ambos em Nova Iorque. É fellow do Royal College of Pathologists (Reino Unido), entre outras funções desempenhadas nos EUA e na Europa.
"Na altura, seria impossível conseguir aquela descoberta em Portugal", assumiu Maria de Sousa ao PÚBLICO. De então para cá, houve uma "modificação impressionante" na ciência no país, comentou.
Depois de regressar a Portugal, a meio da década de 80, tornou-se numa figura decisiva, como investigadora e também no papel de membro e conselheira da Junta Nacional de Investigação Científica e Tecnológica (o organismo financiador entretanto substituído pela Fundação para a Ciência a Tecnologia).
"Foi muito importante para o financiamento da ciência e no estabelecimento de um programa de mestrado nesta área", lembrou o responsável pela homenagem de ontem, António Freitas, do Instituto Pasteur. Alexandre Quintanilha completou esta ideia: "Se hoje em dia existe financiamento na área da saúde foi ela que convenceu os ministérios da necessidade de haver investimento."
"Havia outras expectativas para as mulheres"
Actualmente professora catedrática no Instituto de Ciências Biomédicas de Abel Salazar, no Porto e directora da divisão de Genética Humana e Desordens Genéticas do IBMC, Maria de Sousa, que nunca deixou de investigar e publicar, admitiu a satisfação de "ser lembrada", mas o propósito da ciência "não é ser reconhecido", sublinhou.
"A ciência é uma coisa frágil, constantemente a ser posta em causa. Mas consegui alguma coisa que durou." E por isso - e pelo resto da sua carreira - já recebeu o grau de grande Oficial da Ordem do Infante (1995), atribuído pelo Estado português, e o Grande Prémio Bial de Medicina (1994).
Amiga de Mário Soares, amante de literatura - tem mesmo publicado um livro não científico -, nos últimos anos tem dado também seguimento ao gosto pela história da investigação científica em Portugal.
A personalidade forte e vincada foi determinante para o seu "momento eureka", vivido logo aos 27 anos. "Ser uma cientista não era fácil. Naquele tempo [década de 60] havia outras expectativas para as mulheres. Mas eu sabia o que queria."