Paul Auster roda numa casa perto de Lisboa o seu próximo filme
O escritor norte-
-americano parte de um episódio do seu romance O Livro das Ilusões para filmar The Inner Life of Martin Frost
O escritor Paul Auster não é propriamente um cineasta renitente, visto que ontem acabou de apresentar em Lisboa, em conferência de imprensa, o projecto de realização da sua segunda longa-metragem em nome individual (depois de Lulu on the Bridge, 1998) e a quarta contando com as colaborações com Wayne Wang em Blue in the Face e Smoke, em 1995. Mas sabe, por um lado, que a escrita de romances (uma história interminável, tridimensional, de matéria e de cheiros, como ele disse) é uma coisa e a escrita para filmes (uma coisa artificial, bidimensional, projetada num ecrã) é outra. E, por outro, não acredita que os mundos sejam compatíveis - não acredita na "adaptação literária". Nem gosta do filme que o realizador Philip Haas fez de A Música do Acaso (1993). "Um filme fica geralmente como uma sombra do livro de que é adaptado. Isso não me interessa muito", disse Auster.
Por isso, se vai realizar um filme, com produção de Paulo Branco e rodagem em Lisboa a partir de 8 de Maio, e se esse filme até parte de um livro seu, O Livro das Ilusões, é porque se trata menos de uma adaptação do que outra coisa. É uma extensão.
Para que "o filme" não fique confuso: no Livro das Ilusões havia uma personagem de um realizador de cinema que desaparecia misteriosamente; um dos filmes que deixava, e que outras personagens viam, chamava-se The Inner Life of Martin Frost, a que Auster dedicava, com autonomia, espaço no romance. É esse "filme dentro do livro" que agora Auster como realizador vai desenvolver e expandir na longa-metragem, como se quisesse saber e mostrar mais do que aquilo que escreveu.
Aliás, Auster explicou que já antes de ser uma parte do livro esse fragmento começou por ser um projecto de curta-metragem para uma produtora alemã, em 1999, que não chegou a ir em frente (o cinema definitivamente atrai-o). Ficou inicialmente como fragmento do livro. Agora autonomiza-se totalmente e cumpre o seu destino como longa-metragem. Conta a história de um escritor de sucesso, Martin Frost, que acorda um dia e descobre uma misteriosa mulher a seu lado (será real? será um fantasma? ele toma-a pela sua musa, que o levará a escrever o seu trabalho mais conseguido).
A musa será interpretada pela francesa Irène Jacob (de A Dupla Vida de Verónica e de Rouge, filmes de Krzysztof Kieslowski) que esteve também em Lisboa, e que em relação à sua personagem salientou o jogo à volta da "comédia e dos mitos". Passado praticamente todo dentro de uma casa (que a produção já encontrou, nos arredores de Lisboa; alguém sussurrou: "Praia das Maçãs", mas Paulo Branco riu-se e não quis confirmar), The Inner Life of Martin Frost tem ainda como intérpretes Griffin Dune (Nova Iorque fora de horas, de Scorsese), Michael Imperioli (a série Os Sopranos e Summer of Sam, de Spike Lee) e Sophie Auster, a filha do escritor, de 18 anos, que ele já dirigira em Lulu on the Bridge. E uma equipa maioritariamente portuguesa e de dimensão familiar. É claro: Lisboa porque é um projecto de baixo orçamento; se fosse Nova Iorque, o orçamento seria insuficiente.
Há nove meses que Branco e Auster têm estado a trabalhar no projecto, depois de se terem conhecido há mais de uma década, apresentados por Wim Wenders, amigo comum. Branco diz que se lembra de na altura ter dito que se algum dia ele, Auster, estivesse interessado, ele, Branco, também estaria. Durante a última vinda a Portugal, para apresentar a reedição de Música do Acaso, o escritor trouxe consigo o projecto de filme.
Antes, contou, telefonou ao amigo Wenders para se aconselhar sobre uma experiência em Lisboa com um produtor português. "Wim disse-me que tinha adorado [as suas experiências de rodagem em Portugal], que a atmosfera é descontraída e que o Paulo Branco encontra sempre uma maneira de fazer o filme acontecer."