Iolanta, de Tchaikovski, pela primeira vez no São Carlos
A última ópera de Tchaikovski terá esta noite a primeira audição em Portugal
Com a excepção das obras-primas Evgueni Oneguin e A Dama de Espadas poucas são as óperas de Tchaikovski que ocupam um lugar destacado no repertório internacional. Em 2003, o Teatro Nacional de São Carlos deu a conhecer A Feiticeira, uma raridade na própria Rússia. Na presente temporada promove a primeira audição em Portugal de Iolanta, a última das 11 óperas compostas por Tchaikovski, que se estreia esta noite, às 20h, em versão de concerto, sob a direcção de Vladimir Fedoseyev. No elenco estão Piotr Beczala como Vaudémont, Benno Schollum como Rei René, e Iolanta será personificada pela jovem soprano Irina Lungu. Participam ainda os cantores Andrey Breus (Robert), Pavel Kudinov (Ibn-Hakia) e Liliana Bizineche (Martha).
Apesar de ser mais conhecido pelo grande público pelas suas obras orquestrais (incluindo os bailados), Tchaikovski considerava-se um compositor lírico. Vinte e cinco anos da sua vida foram dedicados à ópera e uma boa parte das suas obras fazem dele um dos mais importantes vultos da música teatral do século XIX. As óperas de Tchaikovski reflectem a alma russa de um modo profundo e subtil, quer quando abordam o romance burguês, quer quando se centram em dramas históricos. Embora com diferente níveis de eficácia, o compositor manifesta uma concepção moderna do teatro na expressão íntima das personagens e na criação de ambientes, sejam estes da alta sociedade, da Rússia rural ou inspirados pelo imaginário dos contos de fadas.
Iolanta foi composta na sequência de uma encomenda dupla (um bailado e uma ópera em um acto) feita pelo director dos Teatros Imperiais de São Petersburgo. Para o bailado, Tchaikovski inspirou-se no conto de E.T.A. Hoffmann O Quebra-Nozes. Para a ópera num argumento que há algum tempo o fascinava pela sua "qualidade poética, originalidade e profusão de momentos líricos" - a peça do poeta dinamarquês Henrik Hertz A Filha do Rei René, que o compositor viu em Moscovo em 1888, no Teatro Maly. Estreou-se a 12 de Dezembro de 1882 no Teatro Mariinski.
Embora algumas das personagens de Iolanta sejam históricas, o enredo é fictício. É a história de uma princesa cega a quem o seu pai faz crer que não se distingue em nada das outras pessoas. Um médico árabe, Ibn-Hakia, afirma que Iolanta só se curará quando souber que é cega e sentir o desejo de ver mas o rei recusa-se a seguir o seu conselho. É a chegada do Conde de Vaudémontque lhe irá revelar a sua condição. Quando este pede a Iolanta uma rosa vermelha como memória do seu encontro esta colhe uma rosa branca...
O longo dueto amoroso entre as duas personagens irá revelar a Iolanta a luz e a beleza das cores do mundo e no final da ópera a princesa recuperará a visão. Entre outras leituras podemos encontrar neste percurso um simbolismo psicanalítico elementar: a cegueira de Iolanta significa a ignorância do amor, que o seu pai queria conservar acima de tudo.
Não se pode falar em Iolanta de um uso da técnica do Leitmotiv (como acontece na Dama de Espadas) a não ser de uma forma vaga. No início da obra, o predomínio dos instrumentos de sopro e um cromatismo difuso evocam a obscuridade que envolve a protagonista, que, por vezes, nos recorda outras grandes heroínas femininas de Tchaikovski, como Tatiana ou Liza.