Descoberto manuscrito de um dos pais da ciência moderna que pode valer mais de um milhão de euros

Notas das reuniões da Royal Society feitas por Robert Hook, o cientista que inventou a palavra "célula"

Sem que o soubesse, uma família inglesa tinha num guarda-loiça, há uns 50 anos, um manuscrito valioso, de um dos fundadores da ciência moderna. A família, de Hampshire, queria vender antiguidades e pediu a um especialista que fosse lá a casa avaliá-las, em Setembro passado. Quando Felix Pryor, da leiloeira londrina Bonhams, estava de saída, lembraram-se de lhe mostrar um manuscrito, de mais de 520 páginas amarelecidas, esquecido há meio século no guarda-loiça. Pryor viu-se com documentos desaparecidos da Royal Society de Londres, escritos por Robert Hooke. "Sabia que estava a ver minutas desaparecidas da Royal Society. Depois, comecei a reconhecer a letra de Robert Hooke. Foi um momento mágico", contou o especialista, citado pelo jornal "The Guardian". "Fiquei de boca aberta", acrescentou à revista "Nature". Os donos, cuja identidade foi mantida em segredo, não sabem como ficaram na posse dos manuscritos. "Tudo o que o vendedor sabe é que os documentos estão na família desde que se lembra".
A leiloeira estima que atinjam um milhão de libras (1,46 milhões de euros), a 28 de Março, em Londres. O motivo para tanta excitação reside no facto de esses documentos retratarem os primeiros anos de vida da instituição científica britânica mais antiga - a Royal Society foi criada em 1660 -, através dos olhos de Robert Hooke.
Físico, químico, arquitecto, biólogo, inventor, Hooke foi dos primeiros membros da Royal Society. Os manuscritos, que também têm desenhos e comentários dos cientistas, são cópias feitas por Hooke das minutas das reuniões semanais da sociedade, às terças-feiras, entre 1661 e 1691. Essas minutas foram publicadas na altura, e sobreviveram até hoje, relata a "Nature". Hooke foi responsável pelas demonstrações de novas experiências nessas reuniões e depois também secretário da sociedade.
A descoberta dos originais pode preencher algumas lacunas criadas quando as cópias das minutas foram feitas - por exemplo, quem inventou as molas de balanço dos relógios, um avanço que mantinha os relógios certos mais tempo? O holandês Christiaan Huygens ficou com os louros, mas Hooke dizia que tinha feito uma demonstração numa reunião da sociedade em Junho de 1670, cinco anos antes de o holandês ter patenteado a invenção. As minutas transcritas da sociedade pelo secretário anterior não fazem referência a isso, mas agora as notas amarelecidas de Hooke poderão esclarecê-lo.
"As minutas registam os pensamentos de Hooke sobre as primeiras reuniões da Royal Society. Embora o conteúdo esteja publicado há muito tempo, os investigadores da história da Royal Society, e do seu papel no desenvolvimento da ciência moderna, vão achá-las de grande interesse", disse o presidente da sociedade, Martin Rees, cosmólogo.
Hooke (1635-1703) é uma espécie de génio esquecido. Mas a ele se deve a descoberta das células das plantas (além da invenção da palavra "célula"), ao observar ao microscópio pedaços de cortiça. Aliás, fez as primeiras observações ao microscópio de espermatozóides e micro-organismos, e o seu livro "Micrographia", publicado em 1665, com ilustrações magníficas, granjeou-lhe grande reputação.
Entre outros, deve-se Hooke a invenção do relógio de bolso, do diafragma das câmaras ou da junta da cabeça dos motores que viria a ser usada nos automóveis. Ajudou a construir Londres, depois do grande incêndio de 1666. A sua rivalidade com outro génio da ciência seu contemporâneo, Isaac Newton, é lendária. Hooke acusava-o de lhe ter roubado ideias sobre a gravidade.

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