O que será do jazz quando lhe faltar a alma
Oconcerto do trio do norte-americano Brad Mehldau no CCB foi tão variado no seu repertório como homogéneo nas interpretações. Com um público ganho logo à partida, sem que o trio tivesse que se esforçar minimamente para o conquistar, os músicos tinham todas as condições para se soltarem e oferecer-nos um grande concerto. Infelizmente, não foi o caso. Também não se pode dizer que o que falhou foi causado pela recente substituição do antigo baterista, porque o novo, Jeff Ballard, até esteve bem dadas as circunstâncias. Não está aqui em causa a competência técnica dos músicos, mas sim a sua disponibilidade para arriscar e emocionar. Foi precisamente a ausência de carga dramática que prejudicou a noite, e o repertório que Mehldau interpretou exigia esse empenho. O concerto começou com Granada, do último álbum, e com um original de Mehldau não titulado. Em ambos o trio não chegou a largar amarras e Mehldau encontrou a mesma fórmula para terminar os dois, usando um fraseado insipidamente próximo da região dos blues. O pior momento surgiu na terceira interpretação, O Que Será Que Será, de Chico Buarque. O solo de Mehldau foi hesitante do princípio ao fim. Ballard bem tentou subverter o andamento, mas os seus companheiros preferiram continuar numa deambulação bucólica, perfeitamente alheia à dor e à visão apocalíptica da canção brasileira. Day is Done foi do que melhor se ouviu. No final, o piano e a bateria criaram uma base repetitiva sobre a qual Ballard fez um excelente solo, trabalhando muito perto do vamp, mas tecendo um discurso com grande pormenor e riqueza expressiva. Knives Out, um dos temas mais interessantes do CD Day is Done, esteve longe da emoção da gravação, mas o diminuendo no final funcionou bem, com Ballard a transformar a bateria num instrumento quase melódico. Já a interpretação de Black Hole Sun, dos Soundgarden, aproveitou pouco as oportunidades que a sua simplicidade permitia. Mehldau limitou-se a circundar os mesmos acordes repetidamente, sem se apropriar da harmonia e trazê-la para as esferas do jazz. Nos encore, só Tune Up se destacou de forma convincente. A introdução de Mehldau provou que o pianista sabe tocar com sentido de risco, só que, quando a secção rítmica se juntou a ele, a música voltou à insipidez que caracterizou o concerto.