Pegadas de Carenque sem utilidade desde 1993
Governo gastou há 13 anos seis milhões de euros para evitar destruição dos vestígios. Financiamento comunitário não foi concedido
Quando passam 20 anos sobre a descoberta, preservada por obras que custaram seis milhões de euros, as pegadas de dinossauros de Carenque, no concelho de Sintra, continuam sem ter qualquer utilização pedagógica ou turística. Um protocolo de cooperação preparatória de um núcleo museológico em Carenque, celebrado em Julho de 2004 entre a Câmara de Sintra e o Museu de História Natural da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, não teve também grandes resultados.
Foi em 1986 que Carlos Coke e Paulo Branquinho, dois alunos finalistas daquela escola ocupados num trabalho prático de cartografia, depararam com a jazida. Ocupava (e ocupa) a laje da antiga pedreira da Quinta de Santa Luzia, um vazadouro que ia ser cortado pelo traçado da Circular Regional Exterior de Lisboa (CREL).
Encabeçada pelo paleontólogo Galopim de Carvalho, começou então uma campanha pela preservação das pegadas deixadas no período Cretássico, há cerca de 95 milhões de anos. Com 140 metros e mostrando a passagem de um dinossauro carnívoro e de outro herbívoro, é uma das maiores pistas existentes na Europa.
A "batalha de Carenque", como lhe chama o professor jubilado, acabaria por levar o Governo de Cavaco Silva a gastar seis milhões de euros (1,2 milhões de contos) num túnel que evitou a destruição dos vestígios.
A propósito, Galopim de Carvalho contou ao PÚBLICO o episódio ocorrido no início de 1993, quando o então Presidente da República, Mário Soares, se encontrou, durante uma Presidência Aberta em Loures, com o ex-ministro das Obras Públicas, Ferreira do Amaral:
"Quando Mário Soares defendeu a construção do túnel, Ferreira do Amaral respondeu-lhe que isso ia custar 400 escudos a cada português. Depois disso, Soares tirou do bolso uma nota de conto, deu-ma e disse: "Esta é a minha parte e a da minha mulher.""
Uma das raras vozes contrárias à obra foi a do historiador Pacheco Pereira, que criticou o gasto - "suficiente para fazer de raiz um museu da ciência" - e afirmou que teria sido preferível transladar as pegadas para outro lugar, deixando passar a CREL.
"Com a presidência de Edite Estrela em Sintra, conseguimos o financiamento para o projecto do museu a construir em Carenque e, com Fernando Seara, celebrou-se o protocolo para a sua concretização e ele garantiu que o projecto ia para a frente. Ficámos encantados. Mas desde então, desde 2004, que tudo parou", lamenta Galopim de Carvalho.
Só que o acordo então firmado nunca obrigou a câmara a financiar o museu, já que apenas se destinou a apoiar o projecto e a definir as competências de cada parte.
O que Seara garantiu, explicou ao PÚBLICO o director do Museu de História Natural, Fernando Barriga, foi "comparticipar com 200 mil euros, caso fosse aceite uma candidatura, em que participámos juntamente com outras entidades, aos programas Picture e Interreg, no valor de 800 mil euros. Mas essa candidatura não obteve resposta".
A candidatura não incluía apenas a musealização de Carenque; também previa a criação de uma Rota dos Dinossauros, percurso turístico que poderia passar por jazidas como as da serra de Aires e Candeeiros, Lourinhã, Vale de Meios, Praia Grande e Sesimbra.
Pegadas foram moldadas
e cobertas
Em 1993 começou a obra dos túneis da CREL. "Então fizemos a moldagem de todas as pegadas em látex, que foi enrolado e levado para o museu. Depois foram cobertas com geotêxtil e cobertas de terra. Está assim desde então: sem qualquer utilidade educativa, sem se tirar proveito nenhum do dinheiro que se gastou", disse o paleontólogo.
O projecto de musealização de Carenque prevê uma obra então avaliada em cerca de 1,5 milhões de euros. É basicamente composta por um "pegário" - uma galeria em alumínio e vidro sobre as mais de cem pegadas deixadas no calcário argiloso, vulnerável às intempéries. À sua volta seriam feitos um pequeno museu, com centro de documentação e auditório, e dois jardins - um "das pedras", com grandes blocos de rochas da região de Lisboa e de Sintra, e outro "do Cretássico", "onde plantaríamos descendências das plantas dessa altura, como araucárias, cicas ou fetos", descreveu o cientista.
Recentemente, disse Fernando Barriga, o museu e o Parque Natural de Sintra-Cascais acordaram na colaboração em objectivos comuns como a valorização da jazida de Carenque e dos lapiás (formações calcárias erodidas) de Negrais. Mas dinheiro para o pequeno museu ainda não há.