João Vieira faz livro de artista para Cesário Verde

Edição de luxo
no reencontro do artista plástico com o poeta que o inspirou a pintar com letras

O tamanho do livro, em altura, fica a dois centímetros do meio metro. O livro de artista do pintor João Vieira, dedicado a Cesário Verde, é um objecto de luxo e vem dentro de uma caixa de acrílico encarnada e verde, colorida e luminosa. O Livro de Cesário Verde, que custa 2100 euros mas tem uma versão mais acessível de 40 euros, é hoje lançado na Galeria Arqué (Lisboa), às 19h, ao mesmo tempo que é inaugurada uma exposição com obras do pintor produzidas para serem utilizadas no livro.A escolha das cores para a caixa, explica o artista plástico, deve-se a uma frase de um crítico literário sobre o trabalho do poeta Cesário Verde, incluída, aliás, no livro-objecto feito para comemorar os 150 anos do nascimento do poeta (1855-1886): "O senhor Cesário Verde usa colete encarnado e escreve versos negros em papel amarelado."
Não se pode chamar regresso ao novo encontro de João Vieira com Cesário Verde. Apesar de Cesário aparecer em 1964 numa pintura oferecida a Helder Macedo, escritor e especialista em Cesário, e ter surgido novamente na exposição que fez há poucos anos em Torres Novas, o poeta do século XIX está presente desde quase sempre, "indirectamente", na obra do pintor. "Desde o momento que pinto com letras é tudo relacionado com Cesário Verde. Comecei a pintar com letras porque queria fazer poemas com pintura", disse ontem João Vieira. "Ele não é o único responsável pelas letras, mas é muito importante."

"Um homem que é de perder a cabeça"Segurando as folhas soltas que constituem o livro, onde estão impressos os poemas de Cesário Verde (o póstumo O Livro de Cesário Verde mais os poemas dispersos), Vieira vai declamando os versos "deste homem que é de perder a cabeça". E cita um verso do poema Nós para falar desta relação "muito íntima" com a sua arte: "Pinto quadros por letras, por sinais." É ao poeta e a este verso que João Vieira faz recuar as primeiras obras que em 1959-60 exploram a relação entre letras e imagem, dando origem à sua original caligrafia sempre reinventada.
Este não é o primeiro livro de artista de João Vieira. O primeiro é feito com o poeta Herberto Helder, a partir do poema Kodak em 1984. Depois há outro livro-objecto feito com Helder Macedo, nunca editado, mas que foi mostrado na retrospectiva que o Museu de Serralves, no Porto, lhe dedicou em 2002.
Na galeria Arqué vão estar nove obras, oito ilustrações feitas com pastéis de óleo e uma pintura a óleo. "Gosto de usar pastéis de óleo porque posso desenhar as cores, desenho a cor com as linhas." A pesquisa que fez para passar às artes gráficas as outras artes permitiu-lhe reflectir sobre o seu próprio trabalho: "Somos mais livres na pintura do que na tipografia. Posso compreender os espartilhos e tentar libertar-me deles. Posso compreender como sou livre nos meus quadros, isso é importante em termos de composição e de cor."
No livro, o alfabeto de João Vieira aparece misturado com uma fonte tipográfica perfeita, a Bodoni, "a minha favorita". Mas há mais trabalho sobre as letras, como a utilização do relevo e de vernizes, que lhes dão, aqui e ali, destaques especiais. O grafismo é feito em colaboração com o designer gráfico Hildebrando Soares.
O livro de artista nasceu de um pedido da editora Tiragem, mas é de João Vieira a ideia de o dedicar ao poeta que nasceu a 25 de Fevereiro de 1855: "Finalmente faço uma coisa sobre Cesário."

O Livro de Cesário Verde
de João Vieira
LISBOA Galeria Arqué. Av. Miguel Bombarda, 120 A. Tel.: 217972886. De 2ª a sáb., das 11h às 21h (excepto feriados). Até 7 de Março.

Sugerir correcção