Mães de soldados russos apelam à desobediência civil contra praxes
Sevícias nas Forças Armadas provocam mais baixas do que a guerra na Tchetchénia
A organização não governamental Comité Mães de Soldados (CMS), que vela pelos direitos dos recrutas russos desde 1989, apelou ontem à desobediência civil depois de mais um caso de tratamento cruel a que foi sujeito um soldado, a quem tiveram de amputar as pernas e os órgãos genitais e cujo estado continua grave."A única solução consiste em as mães não deixarem os seus filhos prestar serviço militar no Exército russo", declarou Valentina Melnikova, presidente do CMS.
Segundo números divulgados por esta organização, anualmente, cerca de 20 mil recrutas fogem dos quartéis aos maus tratos. O Ministério da Defesa reconheceu que, em 2005, as suas fileiras perderam 20.390 homens. Estes números superam em muito as baixas sofridas pelas tropas russas na Tchetchénia desde 1999: 3500 mortos.
Melnikova chamou "incompetente" a Serguei Ivanov, o ministro russo da Defesa, como a todos os que o precederam no cargo desde o fim da guerra do Afeganistão em 1988, durante a qual ela perdeu dois filhos.
Golpes violentosAs difíceis condições de vida nas guarnições militares, provocadas, em grande parte, por praxes cruéis (dedovchina) cometidas por soldados e oficiais mais velhos sobre os mais novos, levam muitas famílias a pagar milhares de euros ou a mandar os filhos para o estrangeiro, para que escapem ao serviço militar.
Andrei Sitchov, 18 anos, quis fazer o serviço militar, mas encontra-se agora internado num hospital, onde lhe amputaram as pernas e os órgãos genitais. "O seu estado ainda é grave. Tudo dependerá dos exames que lhe fizermos esta semana. Em caso positivo, desligaremos os equipamentos de respiração artificial", informouAnatoli Belitski, chefe do departamento de reanimação do Hospital Nº 3 de Tcheliabinsk, cidade dos Urais onde Sichov cumpria a tropa.
Segundo testemunhos de colegas, a 30 de Dezembro, Sitchov e mais sete recrutas foram violentemente espancados depois da sua chegada à Escola Militar de Tanques de Tcheliabinsk por seis militares mais velhos em estado de embriaguez. Os agressores obrigaram Sitchov a sentar-se de cócoras com as mãos atadas nas costas, enquanto desferiram golpes violentos durante quatro horas.
Após cinco dias sem assistência médica, Sitchov foi transferido para um hospital civil: aqui, os médicos constataram que a grangrena exigia a amputação imediata das duas pernas e dos órgãos genitais do militar.
Melnikova acusou o Exército de "silenciar" o caso e a imprensa russa de ignorar o sofrimento do recruta. O caso só chegou ao domínio público depois de os médicos terem alertado o Comité Mães de Soldados para mais esta barbárie. O ministro Ivanov defendeu-se com o facto de ter sido informado "com 25 dias de atraso".
A Procuradoria Militar abriu entretanto processos-crime contra 12 militares. Foi detido o sargento Alexandre Siviakov, considerado o principal agressor. O director da Escola Militar, general Victor Sidorov, foi afastado do cargo e não pode abandonar a unidade militar.