Quase metade dos judeus asquenaze descendem de apenas quatro mulheres

Equipa internacional
teve a participação de dois cientistas do Porto
a trabalhar em genética
de populações humanas

Quatro mulheres que viveram até há 2000 anos, provavelmente no Médio Oriente, estiveram na origem de quase metade da actual população de asquenazes, judeus da Europa Central e de Leste. Assim, essas quatro mulheres foram as mães de 40 por cento - ou 3,5 milhões - de judeus asquenazes, entre os oito milhões que hoje têm essa origem. O estudo onde se apresentam estas conclusões, disponível já na edição on-line da revista The American Journal of Human Genetics, teve a colaboração dos geneticistas Luísa Pereira e António Amorim, do Instituto de Patologia e Imunologia Molecular da Universidade do Porto. Os asquenazes têm os antepassados na Europa Central e de Leste. Outros judeus têm-nos em Portugal e Espanha (sefarditas), no Norte de África e Médio Oriente.
Se recuarmos no tempo, as raízes dos asquenazes vão até Israel, de onde migraram para Itália, nos séculos I e II - explicou à CNN o principal autor do artigo, Doron Behar, do Technion e do Centro Médico Rambam, em Haifa (Israel). Nos séculos XII e XIII, esse grupo de judeus foi para a Europa Central e de Leste, de onde depois se expandiu. Antes da II Guerra Mundial, e do Holocausto, havia dez milhões de asquenazes. Hoje, a população mundial de todos os judeus é de 13 milhões.
"Muitos registos históricos indicam que a fundação dos asquenazes ocorreu no vale do Reno, seguindo-se uma expansão dramática para a Europa de Leste. No entanto, tanto a origem como o tamanho da população materna ancestral permanecem obscuros", diz a equipa no artigo.
Estudos genéticos anteriores indicam que as comunidades asquenazes da Europa Central e de Leste foram fundadas por homens vindos do Médio Oriente. É pelo menos o que indicam as análises do cromossoma Y (masculino), refere o jornal The New York Times. Mas, em relação às mulheres, os geneticistas não são tão consensuais: há quem diga que os homens que saíram do Médio Oriente escolheram mulheres dos sítios para onde migraram para casar e converter ao judaísmo.
Não é isso que sugere este estudo, segundo o qual as mulheres que fundaram a população de asquenazes também seriam do Médio Oriente. Para desvendar esta questão, Doron Behar empenhou-se na análise do ADN mitocondrial (ver caixa) de judeus asquenazes, sefarditas, do Norte de África e Médio Oriente.
Foi aqui que entraram Luísa Pereira e António Amorim, que já tinham colaborado noutros estudos com Doron Behar. ("Ele vem cá todos os anos para discutirmos os resultados das nossas colaborações. Adora o Porto e o vinho do Porto", conta a geneticista portuguesa).
Luísa Pereira e António Amorim cederam ao cientista israelita informação genética de 545 portugueses não judeus, de todos os distritos continentais, para servir de comparação no estudo. Investigadores de outros países, da Rússia, Estónia e Itália até aos Estados Unidos, passando pela Finlândia e França, fizeram o mesmo. Ao todo, o estudo utilizou dados genéticos de 11.452 pessoas.
Nesse ADN das mitocôndrias, os cientistas procuraram certas variações nas quatro letras químicas que o compõem (adenina, timina, citosina e guanina). Sabe-se que as variações - a substituição de uma letra por outra - ocorrem ao longo do tempo a uma taxa conhecida, por isso os investigadores conseguiram chegar à identificação de quatro linhagens de origem materna que dariam origem a 40 por cento de todos os asquenazes.
Certas características do ADN mitocondrial dessas quatro mulheres estão presentes hoje em 3,5 milhões de asquenazes. Mas estão praticamente ausentes em não judeus e existem em frequências muito baixas em judeus não asquenazes.
Porém, não se sabe ao certo quando essas mulheres viveram ("terá sido nos últimos 2000 anos"), nem onde ("o mais provável é o Próximo Oriente"), diz Luísa Pereira.
"Mas conseguiu-se chegar à raiz. Em cima estão os ramos, que têm um tronco e uma raiz, que são estas quatro mulheres apenas, para 40 por cento da população de judeus asquenazes", resume a cientista. "Os restantes 60 por cento descendem de outras linhagens femininas. Não há em qualquer outra população um efeito fundador tão marcado."
Saber a história genética de um povo não interessa só para satisfazer a curiosidade. Pode ter uma aplicação clínica, refere o artigo científico, porque os judeus são particularmente atingidos por 20 doenças genéticas recessivas devido à elevada consaguinidade (para estas doenças se manifestarem, o doente teve de herdar uma cópia defeituosa do gene envolvido do pai e outra da mãe). "Há um grande efeito fundador na população de asquenazes, o que explica a elevada frequência de doenças genéticas recessivas."

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